segunda-feira, 30 de maio de 2011

Carta do Movimento em Defesa da Orla do Guaíba para o Governador do RS

Porto Alegre, 13 de abril de 2011.

Exmo. Senhor Tarso Genro
Governador do Estado do Rio Grande do Sul


Considerando os princípios constitucionais que norteiam as ações da Administração Pública, notadamente o da probidade, transparência e legalidade; a possibilidade da Administração Pública rever, a  qualquer tempo, seus atos, resguardando os interesses de terceiros de boa fé; a igual possibilidade de ex- ofício anular seus próprios atos sempre que reconhecer nulidade jurídica dos mesmos; e, finalmente, o princípio da precaução, ao tratar de intervenções urbanísticas que poderão trazer prejuízos ambientais irreparáveis, além de uma pesada sobrecarga à estrutura viária e forte impacto à estrutura comercial do Centro Histórico da Capital, o Movimento em Defesa da Orla do Rio Guaíba vem respeitosamente dirigir-se a V. Sª. em relação ao Projeto de Revitalização do Cais do Porto.

Entendemos que a revitalização do Cais do Porto é útil, necessária e boa para a cidade. O uso daquele espaço, que hoje se encontra subutilizado, oportuniza e qualifica a relação das pessoas com o rio. A  recuperação dos velhos armazéns e a posterior utilização com atividades de interesse e com acesso universalizado, é um sonho a ser perseguido, no entanto vários aspectos do projeto nos trazem algumas preocupações que passamos a relatar:

Chamamos a atenção, no entanto, para a relação custo benefício dos acordos possibilitados pela Lei Municipal entre o setor público e o privado: para recuperar uma dúzia de armazéns, a cidade entrega para a especulação privada uma das suas áreas mais nobres, alterando o seu regime urbanístico com uma permissividade tal, que ali se extrapola todas as regras do Plano Diretor do município; são autorizadas a construção de torre com 100 m de altura à beira do rio (próximo à rodoviária) e de um prédio com taxa de ocupação de 90% na base e altura semelhante a da Usina do Gasômetro, logo ao seu lado. Este nos parece ser um preço alto demais a ser pago pela cidadania local, que em sua maioria ficará à margem deste território, utilizando quanto muito os seus armazéns.

O processo de licitação, que adjudicou o projeto vencedor (único), esteve envolto em circunstâncias  estranhas, como por exemplo: É justo e ético a mesma empresa que teve todo o tempo para preparar os estudos preliminares, participar da licitação sendo a única vencedora? Existe tratamento isonômico nos prazos exíguos fixados para apresentação dos projetos, que possibilitariam, naturalmente, somente à empresa que elaborou os estudos preparar o projeto em tempo hábil para participação na concorrência?

As agressões ao ambiente natural e a carga sobre uma área ambientalmente vulnerável, com alocação de espaço para flat (residência temporária – o que foi rejeitado pela população na votação do “Pontal do Estaleiro”), escritórios e shoppings à beira do rio, gerando grande demanda de esgoto cloacal e produção  significativa de resíduos; Aniquila com a identidade local, à medida que transforma totalmente a paisagem urbana que dá o nome à cidade; Porto Alegre vista a partir do Rio, jamais será a mesma, transformado com aspecto exótico, o Cais do Porto em nada lembrará a porta de entrada histórica da nossa capital.

Agressão ao Patrimônio Histórico Cultural, à medida que o equipamento a ser colocado ao lado da Usina do Gasômetro com porte maior, ou semelhante, repleto de atividades, encobrirá e concorrerá com aquele monumento histórico da Capital.

O efeito sobre a cidade, em termos de mobilidade urbana, será desastroso já que são pensadas 5.000 vagas de estacionamento dentro do Cais do Porto, para novos veículos que serão trazidos a circular no centro histórico da Cidade, acessando o Porto na altura da Rodoviária e saindo pela Usina, dois gargalos  viários que no futuro ficarão na conta dos Munícipes.




O Projeto do Cais deve ser integrado ao Centro Histórico da cidade. As implantações de escritórios comerciais, hotéis, restaurantes e shoppings no Cais do Porto, fora dos períodos exíguos de realização de pequenos eventos pontuais, como tradicionalmente ocorrem em nossa cidade (a taxa média de ocupação dos nossos hotéis é pouco superior a 50%), resultarão numa concorrência desleal com a estrutura comercial já existente e tradicional no Centro Histórico, tão carente em revitalização, condenando prédios hoje subutilizados ao inteiro sucateamento, criando dois ambientes, um cheio de luzes e outro relegado ao 
abandono. 

Inúmeras realizações culturais que integram nossa história, como Feira do Livro, Bienal do Mercosul e Fórum Social Mundial, por exemplo, e muitas outras realizadas tradicionalmente com ocupação daquele espaço do Cais, não podem perdê-lo, além de outras ações culturais que ali podem ser inseridas, como por exemplo, o Museu das Águas, proposta do Movimento incorporada ao Programa de Governo. 

O aspecto legal que envolve o tema é extremamente confuso e contraditório: Estatuto da Cidade, Código Florestal, Legislação Ambiental e Resoluções do CONAMA, assim como o Plano Diretor da Cidade, todas as regras proibitivas são contornadas, utilizando-se de contradições da própria lei, para permitir a realização do Projeto de Ocupação do Cais; A própria ação judicial movida pela ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários, demonstra com nitidez a falta de diálogo e articulação entre as diversas esferas de poder que incidem naquele espaço. 

Solicitamos muita cautela ao analisar este expediente, pois inúmeras dúvidas pairam sobre a 
sociedade, em relação ao que foi autorizado legalmente para execução: Qual o público alvo deste projeto faraônico? Quem são os futuros usuários? Qual o perfil sócio-econômico dos mesmos? De onde vêem? Porto Alegre conta com uma vocação turística tal que justifique o porte e a ousadia daquilo que foi autorizado por lei municipal? Onde fica o interesse da população local e do fluxo do turismo regional? Não serão estes alijados pelo padrão “internacional” de funcionamento? 

A definição do melhor projeto para a área deve ser precedida de uma ampla discussão com a cidade, é preciso ouvir a população local em Audiências Públicas, mas não como ocorreu na Câmara Municipal, por ocasião da discussão do projeto, fazendo “ouvidos de mercador” às posições e reivindicações do conjunto maior da sociedade civil organizada, em favor das intenções de um grupo empresarial, com apoio de entidades empresariais que vislumbram unicamente a possibilidade de benefício econômico. 

Pelos motivos acima expostos, pedimos ao Exmo. Sr. Governador que interrompa os andamentos do  atual ao projeto e reabra a discussão com a sociedade. Lutamos pela (I)garantia do direito à cidade sustentável, (II) com gestão democrática e com a participação da população e de suas associações representativas na formulação, execução e acompanhamento dos planos, projetos e programas de desenvolvimento urbano, (IV) principalmente para evitar distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente, (VI) especialmente naqueles empreendimentos que possam funcionar 
como pólos geradores de tráfego, sem a previsão de infra-estrutura correspondente” (Estatuto da Cidade – Diretrizes Gerais).

Atenciosamente, 
Movimento em Defesa da Orla do Rio Guaíba

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