Exmo. Senhor Tarso Genro
Governador do Estado do Rio Grande do Sul
Considerando os princípios constitucionais que norteiam as ações da Administração Pública, notadamente o da probidade, transparência e legalidade; a possibilidade da Administração Pública rever, a qualquer tempo, seus atos, resguardando os interesses de terceiros de boa fé; a igual possibilidade de ex- ofício anular seus próprios atos sempre que reconhecer nulidade jurídica dos mesmos; e, finalmente, o princípio da precaução, ao tratar de intervenções urbanísticas que poderão trazer prejuízos ambientais irreparáveis, além de uma pesada sobrecarga à estrutura viária e forte impacto à estrutura comercial do Centro Histórico da Capital, o Movimento em Defesa da Orla do Rio Guaíba vem respeitosamente dirigir-se a V. Sª. em relação ao Projeto de Revitalização do Cais do Porto.
Entendemos que a revitalização do Cais do Porto é útil, necessária e boa para a cidade. O uso daquele espaço, que hoje se encontra subutilizado, oportuniza e qualifica a relação das pessoas com o rio. A recuperação dos velhos armazéns e a posterior utilização com atividades de interesse e com acesso universalizado, é um sonho a ser perseguido, no entanto vários aspectos do projeto nos trazem algumas preocupações que passamos a relatar:
Chamamos a atenção, no entanto, para a relação custo benefício dos acordos possibilitados pela Lei Municipal entre o setor público e o privado: para recuperar uma dúzia de armazéns, a cidade entrega para a especulação privada uma das suas áreas mais nobres, alterando o seu regime urbanístico com uma permissividade tal, que ali se extrapola todas as regras do Plano Diretor do município; são autorizadas a construção de torre com 100 m de altura à beira do rio (próximo à rodoviária) e de um prédio com taxa de ocupação de 90% na base e altura semelhante a da Usina do Gasômetro, logo ao seu lado. Este nos parece ser um preço alto demais a ser pago pela cidadania local, que em sua maioria ficará à margem deste território, utilizando quanto muito os seus armazéns.
O processo de licitação, que adjudicou o projeto vencedor (único), esteve envolto em circunstâncias estranhas, como por exemplo: É justo e ético a mesma empresa que teve todo o tempo para preparar os estudos preliminares, participar da licitação sendo a única vencedora? Existe tratamento isonômico nos prazos exíguos fixados para apresentação dos projetos, que possibilitariam, naturalmente, somente à empresa que elaborou os estudos preparar o projeto em tempo hábil para participação na concorrência?
As agressões ao ambiente natural e a carga sobre uma área ambientalmente vulnerável, com alocação de espaço para flat (residência temporária – o que foi rejeitado pela população na votação do “Pontal do Estaleiro”), escritórios e shoppings à beira do rio, gerando grande demanda de esgoto cloacal e produção significativa de resíduos; Aniquila com a identidade local, à medida que transforma totalmente a paisagem urbana que dá o nome à cidade; Porto Alegre vista a partir do Rio, jamais será a mesma, transformado com aspecto exótico, o Cais do Porto em nada lembrará a porta de entrada histórica da nossa capital.
Agressão ao Patrimônio Histórico Cultural, à medida que o equipamento a ser colocado ao lado da Usina do Gasômetro com porte maior, ou semelhante, repleto de atividades, encobrirá e concorrerá com aquele monumento histórico da Capital.
O efeito sobre a cidade, em termos de mobilidade urbana, será desastroso já que são pensadas 5.000 vagas de estacionamento dentro do Cais do Porto, para novos veículos que serão trazidos a circular no centro histórico da Cidade, acessando o Porto na altura da Rodoviária e saindo pela Usina, dois gargalos viários que no futuro ficarão na conta dos Munícipes.
O Projeto do Cais deve ser integrado ao Centro Histórico da cidade. As implantações de escritórios comerciais, hotéis, restaurantes e shoppings no Cais do Porto, fora dos períodos exíguos de realização de pequenos eventos pontuais, como tradicionalmente ocorrem em nossa cidade (a taxa média de ocupação dos nossos hotéis é pouco superior a 50%), resultarão numa concorrência desleal com a estrutura comercial já existente e tradicional no Centro Histórico, tão carente em revitalização, condenando prédios hoje subutilizados ao inteiro sucateamento, criando dois ambientes, um cheio de luzes e outro relegado ao
abandono.
Inúmeras realizações culturais que integram nossa história, como Feira do Livro, Bienal do Mercosul e Fórum Social Mundial, por exemplo, e muitas outras realizadas tradicionalmente com ocupação daquele espaço do Cais, não podem perdê-lo, além de outras ações culturais que ali podem ser inseridas, como por exemplo, o Museu das Águas, proposta do Movimento incorporada ao Programa de Governo.
O aspecto legal que envolve o tema é extremamente confuso e contraditório: Estatuto da Cidade, Código Florestal, Legislação Ambiental e Resoluções do CONAMA, assim como o Plano Diretor da Cidade, todas as regras proibitivas são contornadas, utilizando-se de contradições da própria lei, para permitir a realização do Projeto de Ocupação do Cais; A própria ação judicial movida pela ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários, demonstra com nitidez a falta de diálogo e articulação entre as diversas esferas de poder que incidem naquele espaço.
Solicitamos muita cautela ao analisar este expediente, pois inúmeras dúvidas pairam sobre a
sociedade, em relação ao que foi autorizado legalmente para execução: Qual o público alvo deste projeto faraônico? Quem são os futuros usuários? Qual o perfil sócio-econômico dos mesmos? De onde vêem? Porto Alegre conta com uma vocação turística tal que justifique o porte e a ousadia daquilo que foi autorizado por lei municipal? Onde fica o interesse da população local e do fluxo do turismo regional? Não serão estes alijados pelo padrão “internacional” de funcionamento?
A definição do melhor projeto para a área deve ser precedida de uma ampla discussão com a cidade, é preciso ouvir a população local em Audiências Públicas, mas não como ocorreu na Câmara Municipal, por ocasião da discussão do projeto, fazendo “ouvidos de mercador” às posições e reivindicações do conjunto maior da sociedade civil organizada, em favor das intenções de um grupo empresarial, com apoio de entidades empresariais que vislumbram unicamente a possibilidade de benefício econômico.
Pelos motivos acima expostos, pedimos ao Exmo. Sr. Governador que interrompa os andamentos do atual ao projeto e reabra a discussão com a sociedade. Lutamos pela (I) “garantia do direito à cidade sustentável, (II) com gestão democrática e com a participação da população e de suas associações representativas na formulação, execução e acompanhamento dos planos, projetos e programas de desenvolvimento urbano, (IV) principalmente para evitar distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente, (VI) especialmente naqueles empreendimentos que possam funcionar
como pólos geradores de tráfego, sem a previsão de infra-estrutura correspondente” (Estatuto da Cidade – Diretrizes Gerais).
Atenciosamente,
Movimento em Defesa da Orla do Rio Guaíba
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