quinta-feira, 28 de novembro de 2013

PLANEJAMENTO URBANO AO ALCANCE DE TODOS

Cicero Alvarez – Presidente do SAERGS
Bruno C. E. de Mello – Primeiro Diretor Secretário do SAERGS

A princípio pode parecer estranho, até mesmo paradoxal, mas as mazelas e a miséria a que boa parte da população está submetida nas cidades brasileiras não são fruto de um “atraso do país”. Pelo contrário, elas são produto do progresso, ou melhor, do modelo de progresso e desenvolvimento escolhido por quem conduz e comanda as transformações, rumos e o futuro das cidades. Não há equívocos, erros de rumo. Os rumos estão escolhidos a partir de uma lógica que, em nosso entendimento, é clara. E a lógica que legitima ou orienta este “modo de fazer cidade” é a do conservadorismo e da concentração extremada do lucro.

Temos uma sensação de que o capital imobiliário nacional (e internacional) conduz o processo de planejamento urbano brasileiro de maneira mais determinante do que as Câmaras Municipais e Prefeituras. É ele que propõe projetos, que sugere alterações da legislação, que impõe revisões de rumo. É a perspectiva de quem vê a cidade a partir de seu valor de troca – exaltando a necessidade de acumulação –, e não de seu valor de uso – como produtora de bem estar – que orienta os processos de produção de cidade.

Apenas como exemplo, faremos menção ao que acontece com a capital do Estado do Rio Grande do Sul. Vejamos. O cargo de Secretário Municipal do Planejamento durante os anos de 2009 a 2012 foi ocupado por sujeito oriundo da direção de entidade representativa de corretores imobiliários do Estado. Até aí, nada ilegal, mas esta relação já denota uma orientação em relação ao modelo de produção da cidade da qual discordamos profundamente.

Outra situação, ainda em Porto Alegre, é o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental - apelidado “Conselho do Plano Diretor”. Este instrumento de controle social sobre o Estado é atualmente orientado pelo capital imobiliário através dos representantes de seus interesses. Desta forma, o “Conselho do Plano Diretor” tem se esvaziado de sua competência controladora, passando a ser uma formalidade, algo como “para cumprir tabela”, e não mais um conselho crítico e propositivo.

Podemos citar também na capital, a recém criada Secretaria Municipal de Urbanismo – SMURB. Quem acessa o site da Secretaria vê uma breve explicação sobre o que é e quais são seus objetivos. Segundo a própria prefeitura a SMURB “trata especificamente do planejamento urbano de curto prazo”. Seria isso possível? Planejar a cidade em curto prazo? Planejar a cidade em curto prazo denota que os pactos estabelecidos pela sociedade para o futuro de seu lugar de moradia – e que não são alcançáveis em curto prazo – são secundários. E mais, que as regras de organização do espaço devem ser flexibilizadas para se submeterem a “grandes” ocasiões do momento, oportunidades sempre de curto prazo. Além desta “inconsistência”, o texto de apresentação da Secretaria indica que o centro de sua atuação é executar “aprovação, licenciamento e vistoria”, ou ainda que “terá como metas a agilização dos procedimentos” de aprovação de projetos. E não precisamos acusá-la de ser apenas um órgão que pretende acelerar os procedimentos ao capital imobiliário. Não que não se deva modernizar procedimentos administrativos, que não sejamos favoráveis a agilidade, transparência e impessoalidade nos processos de aprovação de projeto. Mas colocar como foco central de uma secretaria de urbanismo da capital de um Estado o papel de acelerador de procedimentos de aprovação de projeto é muito pouco.

Verdade seja dita, todas estas situações relatadas não são exclusividade da cidade de Porto Alegre. Elas encontram paralelos em inúmeras cidades brasileiras. O Estatuto das Cidades, de 2001, e a criação do Ministério das Cidades, de 2003, justificaram-se, entre outras razões, pela necessidade de enfrentar os problemas advindos da urbanização acelerada ocorrida na segunda metade do século XX. A questão urbana, que pareceu colocar-se no centro dos debates nacionais, em meados da década de 2010, vai sendo tornada secundária. Os sindicatos, movimentos sociais e cooperativas tem a missão de fazer com que ela volte ao centro da agenda política nacional.

As Conferências das Cidades surgem como espaços de distribuição do poder de pautar a política urbana e, consequentemente, os rumos e caminhos da vida nas cidades. Neste sentido, para subverter a lógica capitalista de produção do espaço e introduzir uma lógica mais social e humana, é necessário radicalizar na importância e participação das Conferências.

O grande desafio da questão urbana, hoje, não passa só pela ampliação da possibilidade de democratização dos processos decisórios, já que as Conferências das Cidades são uma realidade e estão legitimadas. O desafio é fazer com que as Conferências não sejam só para “inglês ver”. Que, a partir delas, possamos efetivamente repartir entre toda a população os benefícios que existem em habitar cidades.

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