sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Movimento de Luta pela Moradia ocupa prédio abandonado na Voluntários da Pátria

Fonte: Sul21
Por Débora Fogliato
Fachaca do prédio histórico está deteriorada, mas já decorada com as
bandeiras do Movimento|Foto:Ramiro Furquim/Sul21
O ano de 2014 foi histórico na luta pela moradia de Porto Alegre com a desapropriação da Ocupação Saraí, no centro da capital gaúcha, que se tornou símbolo da busca por reforma urbana. Poucos meses depois, a cidade viu surgir dezenas de outras ocupações, tanto de terrenos quanto de prédios. Os perfis variam, desde famílias que não têm como pagar aluguel, até jovens que querem reivindicar o direito à cidade e à moradia. Mesmo com a proliferação das ocupações, prédios continuam vazios, terrenos sem uso, locais servindo apenas para a lógica da especulação imobiliária ou totalmente abandonados.
O Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) havia reivindicado o prédio da Saraí quatro vezes até conseguir o decreto de desapropriação. A partir de então, continuou buscando alternativas para famílias que moram na rua ou são expulsas de onde moram de aluguel. Na madrugada deste domingo para segunda (20), uma nova ocupação surgiu em Porto Alegre: a Caminho Novo, na rua Voluntários da Pátria, bairro Floresta. O nome se refere exatamente ao antigo nome da via, que servia como entrada da cidade, e carrega também um visível simbolismo.

Localizada na frente do Hotel Ritter, num local de onde se pode avistar tanto a rodoviária quanto o Mercado Público, o prédio estava abandonado há pelo menos dez anos, segundo os novos moradores. Antes, já foi um hotel, uma delegacia de polícia e um local que abrigou menores em conflito com a lei. Nos últimos anos, era usado como moradia temporária por moradores de rua, mas estava em estado de deterioração, com sujeira, roupas abandonadas, escombros, sem luz e água.

Desde que foi ocupado pelo MNLM, o prédio começou a ser limpo, reformado e pintado, além de já abrigar moradores. Só na segunda-feira (20), todo o andar de cima do local foi limpo. É lá que devem ficar os apartamentos próprios para moradia, além da cozinha comunitária e do espaço para as crianças brincarem. Já no andar de baixo, a ideia é que funcione como local de trabalho, tenha oficinas e seja espaço cultural, onde se possa receber moradores da região e apoiadores. “Queremos fazer uma parceria para priorizar gestão coletiva, fazer esse espaço ser de produção de trabalho e moradia”, contou Ezequiel Moraes, um dos coordenadores do Movimento.

A vitória da Saraí ecoa pelas paredes da Caminho Novo: lá, também, um grupo de jovens apoiadores ajuda na organização, cozinha, pintura e limpeza. Algumas das pessoas que participaram da campanha pelo prédio da Caldas Júnior com a Mauá no início do ano estão presentes no novo desafio desde sua concepção, acreditando na necessidade de uma reforma urbana.

Ezequiel conta que algumas das famílias que irão morar na Caminho Novo procuraram a 20 de Novembro, cooperativa onde ele próprio mora, que também nasceu de uma ocupação do MNLM. “Muita gente vem bater na porta lá e pedir um lugar para morar, queremos que aqui seja um espaço de acolhimento”, relata. Ceniriani Vargas, a Ni, também coordenadora do Movimento, contou que uma moradora despejada da ocupação da antiga Avipal, na zona Sul, deve ir para a Caminho Novo. “Ela realmente não tinha onde morar. Não era que nem disseram por aí que as pessoas que foram para lá eram interesseiras, eram pessoas que precisavam”, refletiu.

Nesta terça-feira (21), cerca de dez pessoas se revesavam cozinhando, elaborando maneiras de pintar a fachada, recuperando e varrendo pisos e discutindo sobre o futuro do local. Uma senhora olhava os ambientes para decidir qual seria o novo lar para ela, sua filha e seus netos, que atualmente moram em Eldorado em condições precárias. No início da tarde, dois jovens que descobriram a ocupação pelo Facebook trouxeram materiais de limpeza para ajudar.

A estrutura é composta de três prédios interligados, com um andar térreo e um que se acessa subindo uma escada. O andar de baixo é mais úmido e parte dele parece ter abrigado banheiros, enquanto o de cima é iluminado e já foi limpo. Ainda há necessidade de reformas, devido aos muitos rebaixamentos que o teto recebeu, assim como no chão, onde alguns parquês estão soltos, e nas paredes sujas. De acordo com os ocupantes, o proprietário morreu em 2007, deixando o imóvel para sua esposa, assim como outros na região metropolitana de Porto Alegre. Os locais estariam com dívidas deixadas pelo falecido dono.

Mas o local começa a ter ares de moradia, especialmente quando se ouve Ceniriani Vargas, a Ni, apontando onde estará cada quarto e onde famílias poderão ser abrigadas. “Aqui já temos uma cozinha coletiva e ali naquelas duas portas serão dois quartos”, mostra, referindo-se a uma área que já têm um balcão, um botijão de água, e a dois espaços menores já limpos. Na área de convivência, fitas coloridas enfeitam a porta e no caminho de um dos quartos as mochilas dos moradores e apoiadores estão colocadas em um armário. Pela casa, bicicletas estão estacionadas, colchões espalhados, tintas sendo abertas e uma cópia do livro “Os conflitos fundiários urbanos no Brasil” está exposta.

Na área aberta, que parece originalmente ter servido para passagem de carros, ainda há muito entulho, demonstrando o estado em que o local se encontrava. No fundo, falta o teto, com plantas invadindo o antigo prédio. De acordo com um dos apoiadores, a construção parece ter cerca de cem anos de idade.

Nos próximos dias, já deve ser marcada uma reunião com quem quiser apoiar a nova ocupação. Os moradores precisam especialmente de materiais de limpeza e pintura. Também é necessário comida, brinquedos e móveis.

Região

O 4° Distrito de Porto Alegre, área próxima do Centro e da rodoviária, é a entrada da cidade. A região, que já foi uma das mais valorizadas, com prédios históricos e localização de fácil acesso, hoje está decadente. A Avenida Voluntários da Pátria já não se parece com a Caminho Novo, seu antigo nome, e o distrito ficou quase abandonado por anos, sem investimentos, tornando-se polo de prostituição e tráfico de drogas. Recentemente, algumas iniciativas vêm tentando revitalizar a região, transformando-a em um pólo criativo e cultural, assim como construção de empreendimentos imobiliários.

A Ocupação Caminho Novo, assim como a Casa Rosa, a mais antiga de Porto Alegre e localizada na mesma rua, fazem parte dessa lógica de revitalização e repovoamento da área, considerando sua proximidade com o centro da cidade, de onde pessoas de classes mais baixas são historicamente excluídas.

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