terça-feira, 4 de novembro de 2014

A natureza e o 5º relatório do IPCC apontam as causas das secas brasileiras e impugnam nosso Código Florestal


(*) Jacques Távora Alfonsin

Quando o novo Código Florestal brasileiro ainda era discutido como projeto de lei, foram bem graves as objeções levantadas contra ele por ambientalistas, ecólogos, ONGs defensoras do meio ambiente no Brasil e no mundo todo, o último atento ao que poderia acontecer, por exemplo, com a floresta amazônica.

Invocava-se, como até hoje se insiste, como forma legal e presumivelmente eficaz de se impedir agressões ao meio ambiente do Brasil, o art. 225 da Constituição Federal: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Muitos avisos sobre as consequências danosas do efeito estufa, dos desmatamentos, do assoreamento dos rios, da aplicação de agrotóxicos, da construção de barragens e outras intervenções humanas sobre a terra, estão se acentuando agora, por força da seca prolongada em São Paulo, do risco que a exploração do xisto pode provocar nos aquíferos brasileiros e pelo recentíssimo 5º relatório do IPCC (painel intergovernamental de mudanças climáticas, traduzindo-se a sigla em inglês); trata-se de um resumo assinado por oitocentos cientistas, divulgado dia 2 deste novembro, em Copenhague, aprovado por autoridades de mais de cento e vinte governos.

Desde a vigência do art. 225 da Constituição, contudo, particularmente depois que o novo Código Florestal entrou em vigor, não são poucas as dúvidas relacionadas com o respeito à ela devido e com a sua aplicação, caso a caso.

O problema das secas, por exemplo, não é novo, no Brasil. Todo o nordeste sabe bem disso. O novo é a frequência com que elas vêm ocorrendo na região sul de uns anos para cá. Essa de São Paulo, considerada a maior das últimas décadas, é bem semelhante, embora em proporções diferentes, a várias outras que, desde a década de 90 do século passado vem afligindo o Rio Grande do Sul.

Dava testemunho disso o falecido agrônomo Enio Guterres, conhecido pelo seu conhecimento científico e técnico não distraído dos direitos humanos do povo camponês e das mulheres e homens sem-terra. Sua esposa Ivani reuniu em um livro (Agroecologia militante), publicado pela Expressão Popular em 2006, vários dos seus estudos. Entre eles, um sobre quem podia ser responsabilizado pelas secas no Rio Grande do Sul, datado de março-2005, justamente um dos anos em que esse fenômeno climático causou seríssimos prejuízos à terra e ao povo gaúcho:

“…nos últimos 14 anos tivemos oito secas. Em 1991, 287 municípios decretaram situação de emergência. Em 1996, foram 222. O número foi de 195 em 1997. Em 1999, foram 115, em 2000 foram 153, em 2003 foram 226, em 2004 foram 390 e,em 2005, até agora, 404 municípios já decretaram situação de emergência, com tendência a se agravar.”

Sobre as florestas tropicais, como a amazônica, comparou dados do mundo inteiro com a brasileira: “Estimativas atuais indicam que 17 milhões de hectares estão sendo destruídos anualmente. Desse valor, cerca de 6 milhões de hectares correspondem à Amazônia brasileira, incluindo-se nesse cálculo a destruição causada pela produção de carvão vegetal para produção siderúrgica.” (…) “Essa seca que está ocorrendo no Rio Grande do Sul pode ser consequência do desmatamento da floresta Amazônica, e é um fenômeno que poderá se repetir com mais frequência. (…) Portanto, o que está ocorrendo não são fenômenos naturais, mas sim fenômenos provocados pela ação do homem. Isso ocorre em função de um modelo de desenvolvimento socioeconômico calçado na derrubada da floresta para o cultivo de pasto e grãos – monocultura incentivada pelas empresas transnacionais” (…) “ A natureza está reagindo, o que pode virar rotina, causando sérios danos sociais, ambientais e econômicos.”

Quando a Constituição reconhece, então, no referido art.225, que o meio-ambiente é “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, ela está sendo desobedecida por todas as iniciativas socioeconômicas capazes de ameaçar ou por em risco um bem-estar coletivo dessa grandeza e necessidade.

Se tudo isso já preocupa em relação à terra, pesa sobre a água, igualmente, inclusive a subterrânea, uma grande ameaça. É que a exploração do xisto (denominação de rocha com presença de gases e óleos) como se pode depreender de informações várias, presentes na internet, utiliza toneladas de água sob forte pressão misturadas com areia e outros produtos químicos para quebrar rocha e liberar o que nela esteja presente, num método conhecido pela palavra inglesa “fracking”.

Imagine-se, então, o que significa a utilização desse método em casos nos quais a perfuração indispensável à tal pressão hidráulica destinada a quebrar a rocha se dê em área situada debaixo de aquíferos, como o Guarani, por exemplo, cuja quantidade de água doce é tão grande que abrange parte do Brasil (Estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina), parte da Argentina, do Uruguai e do Paraguai.

Ainda bem que, pelo menos nesse caso do xisto, a Justiça Federal do país já deferiu duas liminares, em ações civis públicas propostas pela Procuradoria da República, no Pará e em Santa Catarina (Cascavel) suspendendo licitações e outras iniciativas destinadas a receber propostas de empresas interessadas nesse tipo de exploração. Em se tratando apenas de liminares, todavia, há que se aguardar com muita vigilância ético-política, as sentenças que serão dadas quando for julgado o mérito dessas ações.

O certo é que, pelo 5º relatório do IPCC, do qual dá notícia a Zero Hora de hoje (3 de novembro), as perspectivas de respeito à vida da e na terra, para as pessoas e o meio ambiente, são bem sombrias e, entre elas, vale destacar, como uma das causas do aquecimento progressivo do planeta, o fato de as concentrações de gases do efeito estufa na atmosfera serem as mais altas dos últimos 800 mil anos (um resultado evidente do tipo de exploração econômica do solo, sem dúvida), gerando riscos até de insegurança alimentar, escassez de água, ondas de calor e derretimento de geleiras.

Uma solução proposta para reverter um quadro ambiental dessa gravidade, sintetizada na mesma notícia, gera um certo pessimismo quando à redução de gases responsáveis pelo efeito estufa:

“Para que a elevação da temperatura da terra não ultrapasse os 2ºC – meta da comunidade internacional – os governos precisam reduzir a zero a emissão desses gases até 2100, detalhou o relatório.”

Até 2100?? Estamos comprometendo, então, no mínimo, mais duas gerações futuras, sem responsabilidade alguma pelos nossos erros. Sem falar nos tratados internacionais assinados pelos governos brasileiros, sobre a proteção e defesa do meio ambiente, desenvolvimento sustentável e outras metas, pouco ou nada desse relatório deixou de ser denunciado por Conferências internacionais sobre meio ambiente, como a de 1992, realizada aqui mesmo no Brasil.

Do pouco efeito de todo esse esforço dá prova o nosso novo Código Florestal. Como bem disse Darci Frigo da “Terra de Direitos” (Paraná) em painel realizado durante o Seminário “Os direitos humanos como um projeto de sociedade”, realizado pela Escola Dom Helder Câmara, em agosto passado, o nosso Código Florestal está muito mais preocupado em proteger e defender um modelo de exploração econômica da terra do que de proteger e defender as florestas e o meio ambiente.

Muito antes de 2100, todavia, quem respeita a terra e a defende e protege como bem de uso comum do povo, não está dormindo. Cartilhas, boletins, folhetos, sites e blogs circulando pela internet, há muita gente empenhada em imunizar a terra contra as doenças que lhe causam febre, especialmente as que a degradam em pura mercadoria. Leonardo Boff, por exemplo, em um dos seus textos, circulando na internet, “O sentido de uma bioeconomia ou de um ecodesenvolvimento”, lembra a proposta de Ladislaw Dowbor, na mesma linha de Ignacy Sachs, sustentando a viabilidade a funcionalidade tanto da bioeconomia quanto do ecodesenvolvimento, baseadas na “vigência de valores intangíveis como a generosidade, a cooperação, a solidariedade e a compaixão.” “É deles (Dowbor e Sachs) a bela expressão de uma “biocivilizaçao”, uma civilização que dá centralidade à vida, à Terra, aos ecossistemas e a cada pessoa. Daí emerge, no seu belo dizer, a “Terra da Boa Esperança.”

Pura utopia? – Antes confiar nela, do que ficar parado sem nada fazer, passiva e resignadamente assistindo as leis serem projetadas e promulgadas segundo as conveniência do capital, como Boff arremata no texto referido, : “A solidariedade é um dado essencial ao fenômeno humano e o individualismo cruel que estamos assistindo no dia de hoje, expressão da concorrência sem freio e da ganância de acumular, significa uma excrescência que destrói os laços da convivência e assim torna a sociedade fatalmente insustentável.”

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