terça-feira, 5 de maio de 2015

A Especulação Imobiliária e o Plano Diretor

Por Paulo Muzell

Uma marca registrada destes onze anos dos governos Fogaça-Fortunati (2005-2015) é, sem qualquer dúvida, a facilidade com que realizaram um grande número de alterações no Plano Diretor da cidade, quase todas para viabilizar grandes empreendimentos. Ou também, como foi o caso da área do Clube de Diretores Lojistas (CDL/RS), que teve seu regime urbanístico alterado para viabilizar a construção de uma Escola de Administração e Comércio. Tudo de “mão beijada”, sem que a entidade patronal realizasse compra de índices construtivos ou assumisse o encargo de qualquer contrapartida.

Tivemos também, – escudadas na popularidade e prestígio de Grêmio e Inter -, profundas alterações de alturas, índices construtivos e taxas de ocupação das áreas dos Eucaliptos, do Beira Rio, do Olímpico e da Arena. Tudo feito sem cuidado de preservar o interesse e o patrimônio público. No caso das áreas próximas à Arena, no Humaitá, o absurdo foi tão grande que o Ministério Público Estadual teve que impedir que a Prefeitura assumisse, como Fortunati pretendia, encargos que eram responsabilidade da empreiteira, a OAS.
Em 2009 tivemos o episódio do Pontal do Estaleiro. Projeto elaborado pelo Escritório de Arquitetura de Jorge Debiaggi pretendia instalar na área do antigo Estaleiro um grande empreendimento imobiliário misto, com lojas comerciais, torres e um núcleo residencial. Tudo em área de marinha, junto às margens do Guaíba. Realizada a consulta popular, 81% dos 21 mil votantes se manifestaram contrários ao uso residencial. O projeto, com este “banho de água fria”, estacionou.

Em 2012 foi “ressuscitado” mas novamente não avançou. E, por fim, neste início de 2015, com Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) e Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) aprovados pela Prefeitura, volta pela terceira vez tentando aprovação. Foram realizadas duas audiências públicas com expressivo comparecimento de público, que se manifestou majoritariamente contrário ao projeto. Técnicos de entidades ambientalistas contestaram os pareceres da Prefeitura, apontando lacunas e inconsistências, especialmente no EIA-RIMA. Não há qualquer dúvida que a instalação de um complexo comercial e de serviços na Orla representa privatização e uso indevido de uma área de lazer da população.

Outro projeto polêmico e que se arrasta há mais de vinte anos é o do Cais Mauá. A Prefeitura, numa atitude de total irresponsabilidade, elaborou e aprovou na Câmara Municipal profundas alterações no regime urbanístico da área mais central da cidade. Altura de até 100 metros, mudanças no zoneamento de uso, nos índices construtivos, nas taxas de ocupação, tudo para viabilizar projetos que só interessam aos empreendedores imobiliários: torres, shoppings, escritórios, lojas e ainda um estacionamento subterrâneo para milhares de carros. O pior é que esses empreendimentos agravam o sério problema de acesso e circulação no “funil” que é o perímetro central. Que intervenções viárias serão necessárias? Foram elaborados anteprojetos? Quem vai arcar com os ônus destes pesados investimentos? Tudo ficou em aberto. A coisa foi tão mal concebida, que para a sorte da população, os grupos empresariais, soube-se mais tarde, não tinham, nem de longe, condições para viabilizar os investimentos previstos, estimados, anos atrás, em mais de 500 milhões de reais. As condições e os prazos estabelecidos no protocolo de intenções assinado em 2012 não foram cumpridos e o Ministério Público questiona a contratação do projeto, efetivada sem licitação. Felizmente, a privatização de uma área portuária, com edificações tombadas pelo patrimônio histórico tem sido sistematicamente adiada, empacou, não avança.

Neste início de abril o prefeito Fortunati enviou à Câmara o projeto de lei complementar 05/2015 que altera os limites e o regime urbanístico da Macrozona 08, visando viabilizar um mega loteamento – estão previstas 2.150 novas economias – numa gleba de 426 hectares, de propriedade da empresa Arado Empreendimentos Ltda., localizada na avenida do Lami 2.227, à sudeste de Belém Novo. Considerando-se o porte do empreendimento e a crescente urbanização da zona sul da cidade – que já mostra sinais de saturação e problemas de acessibilidade – torna-se necessária uma cuidadosa avaliação dos seus impactos. Audiências públicas com a participação da comunidade e de entidades e especializadas em questões ambientais e urbanísticas deverão ser realizadas. Toda cautela é pouca no exame de um grande projeto urbanístico. O prefeito atual, infelizmente, não tem tido a necessária cautela e o cuidado de melhor avaliar, antes de propor as importantes alterações realizadas no plano diretor da cidade. O histórico das gestões Fogaça-Fortunati, de atropelar e aprovar de afogadilho em regime de urgência é péssimo. A população da zona sul deve manter o “olho vivo”. Não há nenhuma dúvida, este é um governo, extremamente “simpático, bonzinho, sensível” aos apelos e interesses da construção civil.

Paulo Muzell é economista.

Fonte:  Sul21

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