A convite do Grupo de Estudos Bíblicos da Capela Santa Luzia, na região Cruzeiro, em Porto Alegre, a Ong CIDADE participou , no dia 7 de agosto de 2010, de encontro para conversar sobre os projetos previstos para a região em função da Copa de 2014. O grupo tinha interesse em conversar sobre a situação das comunidades locais diante do iminente início do processo de duplicação da Avenida Tronco. Embora o governo continue afirmando que não haverá remoção sem negociação, a estimativa de que ao redor de 1.800 famílias venham a ser reassentadas em decorrência da obra assusta os moradores, pois até agora não está nada definido quanto ao seu destino.
Na reunião da região com o DEMHAB, ocorrida dias depois, em 13 de agosto, já foi apresentado o cronograma da obra:
1. Agosto de 2010: início do levantamento topográfico, que deverá ser concluído em 60 dias (duas reuniões já estão agendadas para discutir o levantamento com as comunidades, sendo a primeira dia 16 de agosto, às 19 horas, no CAR Glória – Cruzeiro – Cristal e, a segunda, dia 23 de agosto às 19h, na SAC, Rua Curupaiti, 925).
2. Novembro de 2010: finalização dos projetos da avenida, dividida em 5 partes (a partir daí a CEF tem até março de 2011 para análise - 60 dias).
3. Dezembro de 2010 - Março de 2011: cadastro sócio-econômico (já está aberta a licitação para as empresas que vão fazer esse levantamento).
4. Março de 2011: abertura das licitações para as obras.
5. Julho de 2011: início das obras.
6. Julho de 2012: término das obras.
Como se pode ver, o cronograma contempla apenas o levantamento topográfico e o cadastro dos moradores, que a rigor já deveria ter ocorrido, não havendo ainda a definição de áreas para o reassentamento, que também já deveria ter ocorrido, pois obviamente as áreas do entorno passíveis de compra já sofreram grande valorização diante da expectativa da obra. O governo diz que ainda estão sendo feitos levantamentos e avaliações de áreas na região e na cidade e que serão discutidas diferentes alternativas de reassentamento (verticalização na própria região, uso do Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV e bônus moradia), podendo ainda utilizado o aluguel social para transferir os moradores temporariamente enquanto as obras vão sendo feitas. Só que enquanto o tempo corre, as incorporadoras imobiliárias voam e as oportunidades tendem a se restringir a áreas cada vez mais distantes.
O medo das pessoas é de que os seus direitos não sejam respeitados e ocorra o mesmo que aconteceu no Cristal, com as obras praticamente soterrando as moradias e as pessoas sendo obrigadas a aceitar qualquer coisa. A duplicação da Avenida Tronco é uma obra que vem sendo tratada dentro da prefeitura há vários anos. Estudos internos já haviam apontado várias alternativas de reassentamento na própria região, através da compra de áreas. Por que esses estudos não foram aproveitados e as áreas adquiridas em tempo hábil? O que se está entendendo por verticalização, quando se sabe que uma grande parte das pessoas não terá como arcar com custos de condomínio? Como funcionaria o uso do PMCMV, uma vez que a maioria das pessoas na região não se cadastrou no programa e a fila já tem mais de 50 mil inscritos? Os moradores da Cruzeiro furariam a fila? O que é que as pessoas vão poder comprar com o bônus moradia, verdadeiro cheque-despejo, num contexto de especulação imobiliária crescente e negociação individual? Enfim, até que ponto as obras da Copa de 2014 trarão efetivamente benefícios para todos e não apenas servirão de pretexto para remover populações de áreas de interesse do mercado imobiliário? Sempre lembrando que as pessoas ao longo da Avenida Tronco estão em áreas de ocupação consolidada, ali residindo há décadas. São as perguntas que ficam e desafiam não apenas o governo, mas também as lideranças, movimentos, atores privados e, ao que tudo indica, também o Ministério Público.
P.R. eram as iniciais pintadas nas portas das casas requisitadas pela família real portuguesa quando de sua vinda ao Brasil em 1808, fugindo das tropas napoleônicas prestes a invadir Portugal. Significava que eram moradias expropriadas pelo Príncipe Regente, que o povo à época sabiamente traduziu como “Ponha-se na Rua”. Mais de 200 anos depois, em pleno terceiro milênio, é inadmissível que as coisas continuem ocorrendo daquela maneira. O império é outro, mas a lógica da despossessão parece ter voltado à moda.
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