A transferência dos moradores da Vila Dique para o Rubem Berta segue uma lógica antiga, um tanto cruel, que ajuda a perpetuar desigualdades.
A Vila Dique existe há cerca de 30 anos, perto do aeroporto internacional Salgado Filho. Ali viviam cerca de 4 mil pessoas em condições subumanas. A imensa maioria de seus moradores, em 2007, ganhava menos de dois salários mínimos, como mostra este estudo. Um dos problemas mais graves da comunidade é a falta de saneamento. Esgoto a céu aberto, água contaminada. Há décadas a situação é essa. Agora, os moradores da Vila Dique estão sendo removidos. Serão transferidos para um bairro da periferia, na zona Norte de Porto Alegre, chamado Rubem Berta. Um bairro enorme, que cresce cada vez mais, pra lá do sambódromo.
Vale então lembrar algumas coisinhas.
- Em outubro de 2009, o Diário Gaúcho, jornal da mesma rede, disse: “A partir de amanhã, uma nova etapa na história de mais de três décadas da Vila Dique, na Capital, começará a ser contada. É quando as primeiras 48 famílias do local serão transferidas para um loteamento construído na Zona Norte”. E sabe por que a Vila Dique está sendo “removida”? Falta de sanemento e de infraestrutura foram toleradas por anos a fio. Mas agora vem aí a Copa do Mundo e é preciso ampliar a pista do aeroporto. A Vila impedia essa ampliação.
Moradores continuam afastados da cidade
Tirar os moradores da vila era extremamente necessário, não só pelas obras de ampliação do aeroporto, mas também e principalmente pelas condições insalubres em que viviam. Sem saneamento básico, vivendo em meio ao esgoto, é impossível a um cidadão manter sua dignidade, sem falar em problemas de saúde decorrentes.
Mas transferir essas pessoas para o bairro Rubem Berta é afastá-los ainda mais do Centro, em uma cidade ainda muito concentrada na região central e seu entorno.
Se houvesse uma descentralização, em que cada bairro se transformasse em mini-cidades, mini-centros, seria possível que os moradores conseguissem manter uma qualidade de vida melhor, sem gastar tempo e dinheiro em deslocamentos gigantes. Mas isso não acontece, e muitos dos moradores dos bairros afastados precisam ir a outras regiões para trabalhar.
Além disso, alguns moradores da vila tinham habitações maiores para suas famílias, e reclamam que serão obrigados a diminuir de patamar.
Jogar essas comunidades para longe é fortalecer a dicotomia centro-periferia, entre os que têm fácil acesso aos serviços e os que não têm. É uma lógica tão perversa quanto antiga, que levou a criar bairros como a Restinga, por exemplo. Vale comparar algumas distâncias para se compreender um pouco melhor:
Centro – Bom Fim: 1,5 km
Centro – Menino Deus: 4 km
Centro – Aeroporto (ao lado de onde ficava a Vila Dique): 9,2 km
Centro – Rubem Berta (onde estão sendo reassentados os moradores da Vila Dique): 15,3 km
Centro – Restinga: 19,1 km
A comunidade da Vila Dique estará melhor no Rubem Berta? Sim, provavelmente. Terão moradia, saneamento, condições mínimas de vida. Mas não é possível que uma administração comemore que uma comunidade vive simplesmente “melhor”, na comparação entre o péssimo e o ruim. É preciso saber se essa comunidade passou a viver realmente bem.
Enquanto viverem pobres na periferia e classe média e ricos próximo do Centro, esses moradores serão sempre tratados como cidadãos de segunda classe. O preconceito continuará e a vida permanecerá difícil.