segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O Projeto(?) de Revitalização(?) do Cais Mauá

Por Leonel Braz, do blog PAM - Porto Alegre em Movimento


Às vésperas de uma definição das obras de revitalização do cais do porto, trazemos alguns apontamentos que julgamos de relevância para o enriquecimento do debate sobre o tema.

Trata-se de subsídios adquiridos por conta da palestra "PROJETO CAIS MAUÁ E MIAMI RIVER”, proferida pela da Arquiteta Adriana Schönhofen Garcia, mestre em Arquitetura pelo School of Architecture da Florida International University, em18 de novembro de 2010, na sede o Instituto dos Arquitetos do Brasil, em Porto Alegre.

Para maior compreensão do tema abordado dividimos a postagem em duas partes: a primeira fala da análise da profissional do edital e o projeto vencedor para a revitalização do Cais Mauá; a segunda versa sobre o projeto Miami River.

 1ª PARTE - CAIS MAUÁ

A arquiteta trabalha em conceituado escritório de arquitetura de fama internacional e suas primeiras considerações foram a respeito da pífia divulgação do edital licitatório e falta de conversão do mesmo para a língua inglesa. Segundo a experiente profissional, um projeto desta envergadura é um sonho almejado por todos os grandes escritórios de arquitetura espraiados pelo mundo. Credita o desinteresse da concorrência internacional exclusivamente à divulgação de caráter regionalizado.

Nota do Blogueiro1: Coincidentemente... Houve apenas um consórcio interessado em participar da licitação, um lobby encabeçado por um político e uma empresa consociada espanhola. Esta empresa foi visitada várias vezes pelos responsáveis pelo edital e políticos da cena dominante à época da concorrência. Também, não se pode falar em consórcio vencedor (?) se este concorreu sozinho...


                                 
    zona próxima à rodoviária

 Com base no edital ela apontou outra fragilidade da proposta vencedora, a verticalidade da mesma que não passou pela avaliação da população, a parte interessada mais importante para o sucesso do empreendimento. Pois, seriam os porto-alegrenses os beneficiários diretos das mudanças. Atentos somente às questões técnicas/especulativas (lucro máximo por metro quadro) foram desprezados aspectos como a mobilidade (Avenida Mauá, que oxigena o trânsito do perímetro central) e as pontes de intervenção urbanística indispensáveis para estimular às pessoas a transpor o famigerado muro da Mauá.

Nota do Blogueiro 2: Faltou auscultar a população por que ela é que vai garantir a sustentabilidade na primeira fase e nas baixas temporadas do empreendimento, ainda que o objetivo seja declaradamente o incremento do turismo na capital gaúcha. Também, há lapsos quanto à trajetória completa do projeto da idéia conceitual até a efetiva utilização do espaço pelos porto-alegrenses. O projeto não apresenta projeções para as décadas vindouras.
                                    
      zona ao lado do Gasômetro

 Relativo às torres de vidro, previstas inicialmente para área contigua ao Gasômetro e região próxima a rodoviária, a arquiteta declara, que as mesmas já não são bem vistas pelos arquitetos no chamado primeiro mundo. Além da cafonice que podem proporcionar, uma vez que um projeto de boa resolução é praticamente inviável pelo elevado custo; as torres oferecem desconfortos térmicos, sendo demasiadamente quentes no verão e demasiadamente frias no inverno. Esta condição prejudica a sustentabilidade sob o ponto de vista econômico e ambiental. A solução destes problemas depende de engenharia sofisticada e materiais caríssimos. A manutenção mecânica da temperatura consome volumes considerados de energia.

Nota do Blogueiro 3: Notícias extra-oficiais informam que as torres foram retiradas do projeto a ser executado. Será? É nítido que o afastamento da população da concepção do projeto original é intencional e garantiu certo dirigismo na elaboração do projeto, dando-lhe certo ar de uma “Dubai Cabocla”, tendendo mais para o privado do que para o espírito púbico.  O que não surpreende ninguém. Despreparo e a cafonice vem pontuando a gestão dos ocupantes do Paço Municipal. Aliás, a Dubai Cabocla é o sonho acalentado pela arrivista classe política local.

No quesito mobilidade, a concentração elevada de estabelecimentos comerciais, nos moldes propostos para o Cais Mauá, representará o incremento impactante de 5.000 (cinco mil) veículos a mais circulando pela Avenida Mauá. Lembrando, que a acessibilidade é fator decisivo para sucesso de qualquer empreendimento contemporâneo; piorar o trânsito na região fará com que a revitalização do cais já nasça sem chance de sobre vida e aumentará agonia do centro histórico.

A intervenção proposta para o muro da Mauá no projeto vencedor é uma cortina de água. Lembra a arquiteta que o expediente não será suficiente para atrair pessoas ao cais ou quebrar a segregação arquitetônica imposta pelo muro da Mauá. Nem pode ser considerada como intervenção urbanísitcaa.

Nota do Blogueiro 4: Num momento em que o planeta prepara-se para enfrentar uma crise ligada a escassez da água, um exemplo deste é um incentivo direto ao desperdício. Há uma lacuna no projeto quanto à origem desta água, custos para bombeamento e tratamento deste líquido precioso. Se for água do Guaíba vai feder....
                                 
            Cais 1950 plenamente integrado à cidade

  Na proposta vencedora (?) não há qualquer nota a respeito das obras de revitalização e a integração com o comércio da Mauá e do resto do centro da cidade. Parece uma proposição isolada. Um projeto desta envergadura deve necessariamente dialogar com as estruturas existentes. De olho nas vantagens econômicas do empreendimento a proposta vencedora é contra as tendências arquitetônicas contemporâneas mundiais relativas ao tratamento destinado às orlas de cursos d’água nos grandes centros urbanos. De acordo com a nova ótica não basta a mera ocupação comercial destes espaços públicos pela iniciativa privada ou pública para revitalizar este tipo de espaço urbano. A obra deve interagir com as estruturas existentes.

Nota do Blogueiro 5: Não devemos esquecer que as orlas dos cursos d’água ainda são considerados como bens públicos pela nossa legislação. Entregá-los ainda que por tempo determinado à iniciativa privada, deveria ser um último recurso. No entanto, é mais um caso brasileiro no qual a exceção torna-se a regra. As causas como bem sabemos repousam no despreparo dos governantes locais para o trato da coisa pública e os “interésses” (como diria o Brizola) da classe política e da iniciativa privada. É na base do: “- dane-se o comércio local. Vamos ter nosso shopping, nosso centro de negócios, nossa gastronomia, a pobreza que fique do outro lado do muro. Nosso empreendimento é aberto ao público... Que pode pagar. O bem público será privatizado e o público em geral que se exploda!.

            A digníssima palestrante deixa claro que um projeto desta monta, desde a redação do edital deveria envolver a mesclagem de profissionais, acadêmicos, ambientalistas e diversos segmentos da sociedade com o propósito de estabelecer estratégias de ação capazes de atingir e mobilizar a opinião pública. Possibilitando a participação de toda a comunidade em todas as decisões políticas e administrativas referentes ao projeto.

Nota do Blogueiro 6: É claro que arquiteta está distanciada da realidade política brasileira. Nossos administradores perderam a noção de bem comum. Ocupam-se diuturnamente com sustentabilidade partidária, cargos em comissão e o puxa-saquismo para com a iniciativa privada (real (R$) financiadora do jogo político nacional) e o enriquecimento fácil. Aqui mesmo na nossa cidade a sociedade é chamada para opinar sobre desenvolvimento urbano e ambientalismo, mas raramente suas colaborações e ou observações são aceitas e incorporadas aos projetos executados pelos sucessivos governos. A cidade vem numa queda na qualidade de vida constante.

Prevalece a ótica especulativa, que privilegia o interesse econômico dos grandes empreiteiros e a ânsia da desorientada liderança em posar para história como máximos benfeitores (com os bolsos e cuecas cheios dólares de preferência...).  Necessidades prementes e qualidade de vida ficam relegadas à condição acessória.

Conclusões do Blogueiro:

O projeto (?) vencedor compromete-se a respeitar o conjunto arquitetônico do cais. No entanto, não foi apresentado para a avaliação da comunidade acadêmica e a sociedade o detalhamento das alterações pretendidas. Ou seja, não há garantias de que o patrimônio histórico será preservado. O projeto vencedor (?) está desacompanhado de estudos e laudos neste sentido.
                                        
   Plasticidade das antigas portas de ferro dos armazéns

 Quanto à vocação portuária, pode-se afirmar que ao longo da história da civilização humana, os portos sempre foram importantes centros de negócios e sobre tudo de democratização da cultura universal. Pois, o conhecimento também é transportado junto com as mercadorias.

Penso, que o projeto (?) Vencedor (?)  se afasta desta visão universal de área portuária. Tem preocupações estritamente negociais, nada culturais e privatizadoras. Se vingar a Dubai Cabocla é bem provável que ela expanda nos anos seguintes. Não me admiraria se a câmara de vereadores viesse a votar uma lei para a construção de um fosso além do muro da Mauá para proteger o investimento de nós, os bárbaros.

                   
 Porto de Alexandria centro cultural na antiguidade

Revitalizar é trazer de volta a vida. Porém, a vida que querem trazer para preencher o cais não é a da camada social conhecida como povo. Talvez seja esse o maior pecado do projeto, além dos outros já citados.

Quem percorre a orla do Guaíba sabe que onde tem acesso, um mínimo de urbanismo e limpeza a população comparece.  Portanto, não há necessidade premente de mega empreendimentos para devolver a vida ao Cais Mauá e orla como um todo. Neste sentido posso citar a Feira Brasil Rural Contemporâneo, que superlotou o cais durante vários dias, em maio de 2010. Na feira havia comércio de pequenos produtores rurais mesclado com a arte e a cultura. Demonstrando a verdadeira vocação de uma zona portuária sem os aritificialismos sugeridos pelo projeto (?) vencedor (?) de revitalização (?) do Cais Mauá. Outro exemplo edificante é a ocupação de parte dos armazéns pela feira do livro.
                              
   Lazer sem concreto

Por derradeiro, frente à crise energética cabe ressaltar que o porto não deve fechar totalmente seus armazéns para as embarcações. O transporte fluvial é notoriamente reconhecido como a modalidade de transporte de carga mais econômica, menos poluente e perigosa do que o feito através da malha rodoviária. O porto em funcionamento consome mão de obra. Neste aspecto há falta de políticas públicas sincronizadas entre as três esferas governamentais.
                            
                                            Atualmente a maioria dos armazéns funcionam de maneira irregular
Notícia de última hora: Houve mudanças na composição do capital social da empresa vencedora (?) da licitação do Cais Mauá. Especialistas em Direto Público já apontam a necessidade da abertura de uma nova concorrência pública, tendo em vista a alteração da composição na empresa Porto Cais Mauá Brasil S.A. Além deste novo imbróglio, falta ainda o parecer da Advocacia Geral da União para a liberação das obras de revitalização (?).
Postado originalmente no PAM em 21/07/11

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