sábado, 26 de abril de 2014

O BRT é da Carris! - Por Paulo Muzell


Fonte: Sul 21
O governo Fortunati tornou público em 31 de março passado o edital para concessão das linhas do transporte público por ônibus da capital. Infelizmente o instrumento licitatório foi concebido num formato que é exatamente o oposto do que reivindica o forte clamor público que se faz ouvir em todas as grandes cidades do país. Dezenas de milhões de pessoas exigem um transporte público eficiente, de qualidade, de baixo custo, acessível ao usuário.
Há duas cláusulas que evidenciam com meridiana clareza que a Prefeitura abriu mão de realizar as alterações que o atual sistema carece para fortalecer seu caráter público, ampliar o controle público e a integração com os demais municípios da Região Metropolitana.  Não há qualquer dúvida: Fortunati rendeu-se, submeteu-se às pressões, aos interesses das atuais concessionárias. Este é um edital carimbado com a marca “ATP” (Associação das Empresas de Transportadoras de Passageiros de Porto Alegre).
A primeira cláusula suspeita e talvez até ilegal é a que exige que os proponentes para participarem, devem comprovar possuírem na data da entrega das propostas pelo menos 50% da frota fixada para cada uma das bacias. O sistema de transporte da cidade é subdividido em quatro bacias: uma que atende o eixo norte/nordeste, outra o eixo leste/sudeste, e uma terceira o eixo sul. A quarta e última bacia é a pública, a cargo da Carris. O edital estabelece uma frota mínima para cada uma das quatro bacias ou eixos. Se estabelece aí, claramente, uma vantagem para as atuais operadoras privadas.
O segundo dispositivo (ou cláusula) do edital, lesivo ao interesse público é o que coloca na licitação para exploração privada o novo sistema, o BRT (o ”Bus Rapid Transit”). Embora hiper atrasado – em 2013 a previsão orçamentária era aplicar quase 100 milhões mas  foram efetivamente gastos apenas 14 milhões –,  o BRT deverá estar em funcionamento no final de 2015, meados de 2016. É a “cereja do bolo”: um sistema transporte de massa, moderno, operado com veículos de grande capacidade, rodando num super piso de concreto, dotado de moderna tecnologia, investimentos que vão custar aos cofres públicos centenas de milhões de reais. Custo operacional baixo, grande capacidade de atender uma demanda crescente, o BRT será o grande negócio do futuro do transporte coletivo da cidade E tudo isso está sendo entregue de ”mão beijada” ao setor privado. Fortunati está oferecendo para a ATP um negócio “mui amigo”, aquele que a gente classifica como do tipo “de pai pra filho”.
Não satisfeito com isso, Fortunati está operando outra barbaridade: a entrega para o setor privado de três das melhores linhas da Companhia Carris: Auxiliadora, Rio Branco-Anita e Carlos Gomes. Para “compensar” a Carris vai assumir duas linhas longas: Restinga e Belém Velho. A justificativa do presidente da EPTC é uma piada: “a Carris tem por vocação operar linhas longas!” O cara está no lugar errado: tem vocação para humorista!
Sabe-se também que a Carris foi a pioneira e a única empresa a explorar as linhas transversais da cidade, por elas operadas desde os anos setenta.  Pois não existe no edital um dispositivo que vede às permissionárias privadas a exploração dessas linhas o que, se ocorrer, sérios prejuízos trará à empresa pública.
O edital restringe o tamanho da Carris: fixa sua participação no atendimento de apenas 22% da demanda, muito pouco para uma empresa que já atendeu algo próximo dos 30% . Fica clara aí a intenção de Fortunati: “encolher” a Carris.
Há ainda uma enorme maldade, uma das maiores do edital. São criadas duas tarifas. Um técnico-operacional, resultante dos cálculos do custo do transporte e da demanda atendida e uma segunda tarifa, descolada da primeira, de caráter “político”, a tarifa a ser paga pelo usuário. No caso da primeira ser maior do que a segunda, o poder concedente deverá pagar ao concessionário a diferença.
Há, por fim, outro absurdo: no caso do aumento da demanda original de uma bacia, a empresa concessionária é “premiada”, tem o direito de receber 50% da receita adicional. Fere-se aqui um princípio básico do capitalismo: uma empresa pode e deve aumentar seu lucro na razão direta do aumento de sua “eficiência”, da redução do seu custo. A construção de novos grandes empreendimentos imobiliários – fato aleatório, que independe do custo ou da melhoria da qualidade do serviço da concessionária – irá, assim, contribuir para “engordar” o seu lucro.
Por tudo que foi dito e por outras razões que ainda serão ditas não há outro caminho senão exigir a anulação deste nefasto edital. Proponho algumas palavras de ordem para esta “guerra” a ser deflagrada já: QUEREMOS UM TRANSPORTE COM CONTROLE PÚBLICO E INTEGRADO! UMA CARRIS MAIOR, MAIS FORTE! O BRT FORA DA LICITAÇÃO: O BRT É DA CARRIS!  
Paulo Muzell é economista

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