sexta-feira, 17 de outubro de 2014

STF e Recurso Extraordinário 607940: O fim de participação popular nos planos diretores? Entrevista com Luana Xavier Pinto Coelho

Fonte: Boletim do Fórum Nacional de Reforma Urbana




Durante o mês passado, o Fórum Nacional de Reforma Urbana, articulação nacional que reúne entidades e movimentos sociais com atuação voltada à defesa e promoção do direito à cidade, à construção de cidades justas e inclusivas, enviou uma carta aberto para o STF manifestando sua preocupação quanto ao julgamento do RE 607940 de declarar constitucional que regras isoladas possam criar direitas e obrigações fora do contexto urbanístico global estabelecido pelos Planos Diretores. Conversamos recentemente com Luana Xavier Pinto Coelho, advogada da Terra de Direitos, para entender melhor como o processo esta encaminhando, e o que a sociedade civil pode fazer dentro do STF.

FNRU: De acordo com artigo 39 do Estatuto da Cidade, "o processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade." Como que o julgamento do Supremo Tribunal, RE 607940, pode mudar este cenário?

A questão debatida perante o Supremo Tribunal Federal analisa, pela primeira vez, o conteúdo material do Plano Diretor, em especial este poderia ser alterado por lei complementar posterior, respeitando unicamente o processo legislativo convencional, e, assim, não abrindo novamente o debate público sobre as alterações propostas. Quando pensamos em processo legislativo, infelizmente ainda é pouco discutido no Brasil de que forma uma elaboração participativa de um projeto de lei por parte do Poder Executivo impõe limites à modificação perante o Legislativo. Este é um tema que ainda precisamos avançar, visando evitar emendas aos PLs elaborados de forma participativa que venham a atender interesses individualizados.

Sabemos que os interesses em jogo quando se debate o planejamento urbano reflete o potencial de ganho com o solo urbano, altamente especulativo, que pode ser exponencializado por alterações no zoneamento, por exemplo, ou restringido, quando se prevêem instrumentos reguladores da oferta de solo urbano, quais como o IPTU progressivo ou desapropriação compulsória. O Plano Diretor é um pacto político-social sobre as regras a vigorar em torno do território e desenvolvimento de uma cidade, alcançados através de amplos debates públicos. Compreender que o PD é somente uma lei complementar, no sentido estrito, e permitir alterações posteriores respeitando o processo legislativo convencional e ignorando os ditames do Estatuto da Cidade, é o mesmo que condenar permanentemente a gestão democrática da cidade vigente hoje em nossa legislação urbanística.

FNRU: No dia 15 de Setembro o FNRU enviou uma carta aos ministros de supremo tribunal federal, manifestando sua preocupação quanto ao julgamento do Supremo Tribunal (RE 607940) de declarar constitucional que regras isoladas possam criar direitos e obrigações fora do contexto urbanístico global estabelecido pelos Planos Diretores. O que aconteceu desde então? Há uma previsão sobre como o STF vai decidir neste caso?

O julgamento do Recurso Extraordinário encontra-se interrompido pelo pedido de vista do Ministro Luis Fux. Ele compreendeu a complexidade do caso e, assim, tem a prerrogativa de manifestar um voto vista. O ministro relator deste processo, o Sr. Teori Zavascki, já manifestou seu voto pela improcedência da ação, compreendendo que pode haver leis que disponham sobre uso e ocupação do solo urbano fora do Plano Diretor. Tal entendimento foi acompanhado pelo Ministro Luis Roberto Barroso, que adicionou o entendimento que lei complementar pode alterar o PD.

A mobilização se faz importante para sensibilizar os ministros sobre o impacto desta decisão na jurisprudência nacional, que pode colocar por terra o longo processo de mobilização e debate em torno dos planos diretores participativos.

FNRU: Qual é a estratégia do FNRU, pressionar para este julgamento não descaracterizar o Estatuto das Cidades e garantir a participação popular nos planos diretores?

O FNRU encaminhou uma carta a todos os Ministros, visando uma sensibilização para o tema. Em sequencia, será feito um pedido ao Presidente do Supremo Tribunal Federal para chamar uma audiência pública no âmbito deste recurso extraordinário.

Por outro lado, também iremos levar este tema para o Ministério das Cidades, pois, foi o órgão governamental que promoveu, em 2005, ampla campanha nacional sobre os planos diretores participativos.

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Direito à Cidade

Carta aos Ministros do Supremo Tribunal Federal

O FNRU esta solicitando que todas as entidades, bem como seus integrantes, enviem e-mails á todos os Ministros do STF com nossa posição contra que alterações do PDE possam ser feitas sem participação popular. Leia a carta abaixo


CARTA AOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), articulação nacional que reúne entidades e movimentos sociais com atuação voltada à defesa e promoção do direito à cidade, à construção de cidades justas e inclusivas, vem manifestar sua preocupação quanto ao julgamento do Supremo Tribunal (RE 607940) de declarar constitucional que regras isoladas possam criar direitos e obrigações fora do contexto urbanístico global estabelecido pelos Planos Diretores. O FNRU se manifesta pela *inconstitucionalidade* de legislações municipais, que tratem sobre o desenvolvimento urbano, sem a elaboração de estudos urbanísticos globais e sem a participação efetiva da população.

Permitir que uma Lei Complementar emende a legislação urbana municipal, passando ao largo do processo pelo qual o Plano Diretor vigente foi implementado, desprestigiará as inúmeras providências técnicas e administrativas, além da *ampla participação popular* exigida para a elaboração desse instrumento. Isso descumpre os dispositivos constitucionais, além do Estatuto da Cidade – Lei Federal 10.257/2001. As decisões tomadas por um coletivo de políticos, sem a suficiente avaliação técnica e debate democrático, trará como resultado uma Lei desconexa,elaborada ao sabor da preferência momentânea de vereadores, fora do planejamento base representado pelo Plano Diretor.

A natureza jurídica do Plano Diretor é* sui generis, *se assemelha a 
uma *Constituição Urbanística do Município*, devendo haver a salvaguarda do devido processo legal, que neste caso, por exigência do Estatuto da Cidade, da CR/88, e pormenorizado nas Resoluções n. 25/2005 e n. 34/2005 do Conselho Nacional das Cidades, deve observar *ampla participação social*. Assim, o Plano Diretor não é somente mais um lei no compêndio normativo do município, mas uma pactuação político-social emanada por ampla deliberação pública, sobre o desenvolvimento urbano por um período de 10 anos. Sem olvidar que é por meio de tal instrumento que se tem o *contorno do conteúdo da função social da propriedade urbana*, como dispõe o art. 182, §2º, da CR/88, o que justifica o procedimento especial que reveste esta normativa uma vez que a concretização de inúmeros direitos sociais, econômicos, sociais e ambientais (moradia, mobilidade, acesso a emprego e renda, lazer, saúde educação, dentre outros) se pactuam neste instrumento.

Consequentemente, toda a legislação urbanística local submete-se à mesma intencionalidade e ao mesmo regime jurídico de produção (por exemplo, ao *processo legislativo especial*, com quórum qualificado, inarredável participação popular, iniciativas reservadas, estudos técnicos, etc.), mesmo que formalmente editada em diploma próprio apartado. Outra não pode ser a interpretação da Política Urbana Constitucional senão aquela que compreenda os processos de elaboração ou revisão dos Planos Diretores como uma pactuação social sobre as diferentes políticas no território e sobre os contornos da função social da propriedade, tornando o Plano Diretor instrumento máximo definidor dos parâmetros urbanísticos municipais, e isto somente se dá com a observância do *devido processo participativo popular*.

Não é de hoje que este Fórum, moradores e moradoras lutam para que a Política Urbana seja construída de forma democrática e participativa. As conquistas chegam gradualmente e os Planos Diretores tem desempenhado um papel fundamental, daí nossa indignação e preocupação quanto ao debate sobre o conteúdo do Plano Diretor, e a possibilidade ou não de temas urbanísticos serem regulados por normas fora e incongruentes a esse Plano. De forma que toda a luta por processos participativos, toda conquista alcançada nos longos períodos de debates públicos poderiam ser colocados abaixo por uma votação na Câmara Municipal, por Lei Complementar sem qualquer participação popular mais ampliada.


Os Planos Diretores são definidos em um processo que assegura a amplitude, a consistência técnica e política exigida pela sociedade democrática para construir a *cidade desejada por todos nós*. Por isso, o FNRU defende o Plano Diretor enquanto instrumento básico da política urbana como forma de democratizar nossas cidades.

Rejeitamos qualquer atitude do judiciário que desconheça todo este esforço de elaboração de Planos Diretores participativos, pois permitirá refazer esse processo a partir de novas legislações, incoerentes com os parâmetros legais já estabelecidos no Plano Diretor.

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