quarta-feira, 11 de março de 2015

Ocupação no Bom Retiro ganha primeiro caso de usucapião coletivo de um prédio vertical no Brasil

Fonte: Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos



Ocupado em meados dos anos 1980, prédio localizado na Rua Solon, 934, no bairro do Bom Retiro, transformou-se no primeiro prédio vertical a ganhar uma causa de usucapião coletivo no país. Os moradores judicializaram a demanda em 2002, mas a primeira ação foi extinta sem julgar o objeto da ação porque o juiz entendeu que não era possível o reconhecimento da posse de forma coletiva, só individualmente.

A ação foi novamente proposta pela Associação de Moradores da Rua Solon por meio da assessoria jurídica realizada pelo Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, reforçando a finalidade do Estatuto da Cidade e fortalecendo a organização local.

Após dez anos de processo, o juiz da 1ª Vara de Registros Públicos de SP, desferiu sentença a favor da Associação. Esse, inclusive, é um dos diferenciais no caso: Conduzido em forma de autogestão, os moradores, organizados, que foram autores da própria ação ao longo dos anos.

Usucapião é a declaração do direito de propriedade por meio do exercício da posse. Esse direito é concretizado com mais segurança quando se consideram melhorias feitas no local e a efetiva evidência de cumprimento de função social. Mais do que considerar o fator de usucapião coletivo, o Estatuto da Cidade, recém aprovado na época da primeira ação, serviu – como raramente é – como fundamento para julgar o caso.

Além de reconhecer a moradia como direito fundamental e forma principal de uso e ocupação do solo urbanizado, o Estatuto da Cidade facilita ações coletivas ao permitir a representação processual por meio de associações legítimas e autorizadas pelos moradores. Desta forma, o conjunto de provas favorece todos os moradores, sem que cada um precise comprovar a origem e o tempo de posse.

No caso da Solon, a modalidade de Usucapião Especial Urbano possibilitou transpor a concepção individualista do processo judicial, uma vez que não havia como tratar cada área ocupada sem considerar o contexto do imóvel. Nesse caso, a posse será dividida entre todos os donos dos apartamentos, como decidido pela sentença.

Em 2002, a Prefeitura de São Paulo realizou atendimento emergencial às famílias que habitavam de forma muito precária – em barracos e no fosso do elevador –, desadensando e readequando as condições de moradia da ocupação, que passou de 70 famílias distribuídas nos oito andares do prédio para 42 famílias.

A professora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP), Maria Ruth Sampaio, teve papel de grande importância em todo o processo ao longo dos anos. Além do apoio às famílias e das diversas intervenções com a participação ativa dos moradores, Maria Ruth viabilizou, por exemplo, o trabalho de reforço estrutural orientado por engenheiros especializados que colaborou na melhoria da segurança e da moradia de qualidade para as famílias.

Essa inédita conquista representa não somente a melhoria da qualidade de vida e garantia de moradia às pessoas que lutaram pela posse do imóvel durante cerca de trinta anos, mas também abre um importante precedente jurídico no que se refere ao uso de instrumentos legais como o Estatuto da Cidade e, principalmente, a decisão a favor dos ocupantes, postura pouco recorrente no judiciário. Todos ganham com esse desfecho a favor da luta pelo direito à cidade e à moradia digna.

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