sexta-feira, 12 de abril de 2013

Arena do Humaitá esbulho do patrimônio público

AS AVENTURAS E DESVENTURAS DE UMA LEI DE MENTIRINHA


Por Tania Jamardo Faillace
Jornalista - Porto Alegre, RS

Antecedentes


Em 1963, o Estado do Rio Grande do Sul doou uma área de 38 ha, perfeitamente definida, na zona Norte de Porto Alegre, à Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul para a instalação de uma universidade do trabalho, como então se chamavam escolas profissionais altamente técnicas em nível de Segundo Grau (tipo Escola Parobé). O local era um banhado imprestável, a não ser para as espécies (aves) que lá faziam nidação ou pouso de passagem, e como esponja natural de drenagem para o interior do bairro Humaitá.

A FCORS plantou no local centenas de árvores de espécies diferentes, aterrou onde era necessário, e criou uma excelente escola técnica, a Santo Inácio, com um belíssimo ginásio, permitindo o uso livre do resto do terreno pela população, como um parque popular, utilizado por oito campos de futebol de várzea, mais uma sede de cultura tradicionalista.

Situado na zona Norte, a tradicional zona industrial da cidade, a escola estava então no local certo. Sendo uma escola particular, embora destinada à profissionalização de técnicos da classe trabalhadora, dependia em grande parte de convênios e sistema de bolsas. Lá pelas tantas, o Estado e a Prefeitura não renovaram os convênios, e a escola passou a ter prejuízos, porque seu ensino era custoso e de alto nível (tirou mais de uma vez o segundo lugar em qualidade de ensino no Enem, segundo informação do presidente da entidade).


Especulação imobiliária e futebol

A construtora OAS, na ocasião – cinco ou seis anos atrás, – procurava um terreno barato para construir um estádio que pudesse oferecer (alugar/vender/permutar) ao Grêmio Futebol Club em troca do Olímpico Monumental, cujo terreno era ambicionado para construções de luxo, dentro da proposta geral do setor construtivo, de elitizar os bairros daquela região, expulsando a população original e o pequeno comércio, como já tinha sido feito na Vila Ipiranga, área que hoje é do Shopping Iguatemi (o qual ganhou aquele terreno de graça).

A OAS procurou os terrenos menos dispendiosos. Tentou o da Habitasul, achou caro. Procurou a FCORS. A Federação não podia vender, nem arrendar, nem penhorar. As doações públicas são sempre condicionadas e limitadas. O donatário não pode desistir do que faz nem mudar de ramo, ou perderá a doação, que deverá devolver ao doador, sem direito a indenizações pelas benfeitorias realizadas no local.

O então presidente do Grêmio pertencia ao staff do governo Crusius. Sabia da situação difícil da FCORS. Elaborou-se, pois, um plano, ilegal e inconstitucional, e até delituoso, mas que foi empacotado e apresentado sob o pretexto do PAC da Copa. A direção do clube não hesitou em colocar os interesses dos construtores acima dos interesses do clube, então em difícil situação financeira (tal e qual a FCORS); a governadora, por outro lado, não se inibiu em passar por cima das leis do Estado e da União, e até dos interesses da educação no Estado. Como se diz popularmente, juntaram-se a fome institucional estadual com a vontade de comer da construtora.


A operação

A Federação não podia ser simplesmente expulsa do pedaço, porque havia cumprido exatamente com suas obrigações contratuais. A governadora resolveu transferir as obrigações contratuais para outro terreno qualquer. Em 2008, doou, pela lei 13.093 um outro terreno para a Federação, na estrada Costa Gama, no Extremo Sul do município. Detalhe: esse terreno não pertencia ao Estado, mas ao Círculo Operário de Porto Alegre, entidade privada, e pessoa jurídica completamente independente da Federação.

Normalmente, para isso, ela teria antes que comprar esse terreno, desapropriá-lo ou confiscá-lo, a fim de dispor do mesmo para as suas doações. Não poderia comprá-lo sem licitação e não tinha base legal para fazer uma licitação apenas para atender aos interesses indiretos da construtora; não podia desapropriá-lo, a menos que tivesse um projeto público que o exigisse, e então não teria como passá-lo adiante, e sim executar o tal projeto público; não podia confiscá-lo, porque não existiam dívidas fiscais que autorizassem a tomada do imóvel por dívidas.

Então, fez uma doação "de mentirinha". O objetivo era passar os gravames para a Costa Gama e liberar o terreno de Humaitá. A Assembléia Legislativa aprovou o monstro jurídico por unanimidade, ao que se soube. Todos os partidos, pois, foram cúmplices dessa farsa explícita, que, num país mais respeitador das leis, renderia processos criminais para todo o mundo.
Dois anos depois, a Federação comprou o mesmo terreno (que ficticiamente lhe tinha sido doado) do Círculo Operário. Uma transação normal, a dinheiro (provável adiantamento do que viria a receber pela negociação do terreno Humaitá por parte da interessada em lá construir). Se quisesse, a Federação poderia simplesmente ignorar os tais gravames, já que se tratava de uma compra e não de uma doação. Não, conscienciosamente, a FCORS averbou os gravames da falsa doação, onerando o terreno comprado normalmente.

Temos aí, vários atos de falsidade ideológica, cometidos por vários personagens, a começar pelas autoridades e os poderes públicos.


Novos personagens num mesmo endereço e negócio

Com essa compra e averbação, foi então procedido o parcelamento da área do Humaitá. Até janeiro de 2011, havia a mesma sido dividida em quatro porções. Duas foram vendidas à Nova Humaitá Empreendimentos Imobiliários, com sede no mesmo endereço da construtora OAS. Duas permaneceram em poder da Federação, estas ainda com os gravames de impenhorabilidade e inalienabilidade.

Ah, detalhando todo o negócio... a Federação foi intimada a oferecer compensações, na construção de outra escola, situada antes no mesmo terreno e transferida, salas de aula, etc. O que, certamente, transformava a "doação" numa transação pecuniária, embrulhando ainda mais o entendimento do negócio para qualquer advogado digno desse nome. Afinal, seriam doações sobre doações, ou seriam transações comerciais? E se fossem transações comerciais, não deveria ter havido as competentes licitações?


A verdadeira milonga do gaúcho doido...


Mas o assunto não estava terminado, como ainda não está. Uma outra empresa, criada para ser a dona do estádio chamado Arena, no Humaitá, a Arena Portoalegrense S/A, cujo presidente parece ser mineiro, entrou com um pedido de ART (anotação de responsabilidade técnica, documento necessário no momento de pedir licença para construir) no CREA/RS, alegando ser proprietária do terreno, o que não era verdade, como vimos acima, uma vez que, naquele ano, metade foi vendido à Nova Humaitá Empreendimentos, e metade permanecia com a Federação. Essa empresa, com um capital social de um mil reais, dizia-se proprietária do terreno no Humaitá, e contratante da OAS para construir um estádio de 400 milhões de reais. Casualmente, seu endereço de então era o mesmo da construtora OAS e da Nova Humaitá Empreendimentos, na avenida Mostardeiro 366/ 802, próximo à Florencio Ygartua.


Conclusão


O terreno legalmente continua pertencendo ao Estado, e deve ser devolvido ao mesmo, já que todas as transações assinaladas se basearam numa lei inválida, sobre informações inverídicas, e portanto devem ser reconhecidas como NULAS. Com base nas cláusulas do contrato original de doação, houve alteração do uso do imóvel, o que caracteriza a inadimplência do contrato, e obriga a devolução da área ao Estado, sem direito a indenizações por benfeitorias.
Tudo o que estiver construído no local, se estivermos vivendo num Estado de Direito e de normalidade jurídica, deve ser imediatamente entregue ao Estado, sem direito a compensações ao inadimplente e seus associados.

Estão disponíveis ao acesso público, os documentos legislativos e cartoriais referentes a todos esses movimentos até janeiro de 2011, segundo a listagem constante do Adendo, mais abaixo.

Denunciado o esquema ao Ministério Público Estadual ainda em julho de 2010, e municiado esse processo com diversos adendos e fotos posteriores, o MP ainda não se pronunciou.
Convém lembrar que o estádio Arena foi construído, em parte, com mão de obra semi-escrava, e também apenada[1], com proibição de vistorias por parte do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil sob o pretexto de tratar-se de uma obra grande, e o referido sindicato só poder defender trabalhadores em obras de pequeno porte (!).

Decisões muito estranhas toma nossa Justiça do Trabalho...
Nossa sugestão


Devolvendo-se a área ao Estado, como temos falta de presídios, imagino que o estádio poderia ser adaptado a uma prisão de segurança máxima, apenas fechando-se as aberturas externas e providenciando o detalhamento interno. Em ótima situação, bem ensolarada e ventilada, seria o ideal para os condenados por crimes de colarinho branco. Poderia também ser unissex, atendendo a uma postura mundial de igualdade entre os sexos... (TJF)
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ADENDO

Para quem quiser comprovar pessoalmente as asserções acima, segue lista dos principais documentos a elas referentes até janeiro de 2011, e como localizá-los:
- registro de imóveis da 4ª zona de Porto Alegre, livro 3-BX, fls. 126, nº 65.646
- registro de imóveis da 4ª zona, Torrens 22.940
- registro de imóveis da 4ª zona de Porto Alegre, Livro 3-D, fls. 138, nº 6.422, data 25/03.1965
- lei estadual 13.093, de 18/12/2008
- lei estadual 4.610, consolidada com a anterior, 18/12/2008
- lei municipal 610, de 8/01/2009
- 4º tabelionato de notas de Porto Alegre, Livro 204-C, compra e venda, fls.95, nº52.657
- registro de imóveis 3ª Zona de Porto Alegre - matrícula 149.419
- registro de imóveis 4ª zona, matrícula 157.918
- registro de imóveis 4ª zona, matrícula 157.921
- registro de imóveis 4ª zona, matrícula 157.919
- registro de imóveis 4ª zona, matrícula 157.920
- ART 5473176, Arena Porto Alegrense S/A - CREA/RS, 14/09/2010
- CNPJ 10938980/0001-21 - end. Mostardeiro 366/802 - Porto Alegre, RS
- ISSQN 53677722 - Arena Portoalegrense S/A - end. Mostardeiro 366/802 - Porto Alegre, RS
- CNPJ 10938773/0001-77 - Nova Humaitá Empreendimentos Imobiliários S/A - end. Mostardeiro 366/802 - Porto Alegre, RS
- Alvará de localização 4120043 - 13/11/2009 - Construtora OAS Ltda. - end. Mostardeiro 366/802 - Porto Alegre , RS
- Alvará de localização 451892 - 17/10/2011 - Empreendimentos Imobiliários OAS26 SPE - end. Mostardeiro 366/802 - Porto Alegre, RS

Tania Jamardo Faillace

Jornalista e escritora

Um comentário:

Armazém Colonial disse...

E os gremistas gostam do que estão vendo, estão indo que nem cordeirinho para o abate, que neste caso é a grande dívida que terão para o futuro.
Mas recomendo para eles construirem junto a ARENA uma reciclagem de lixo e engarrafarem o chorume e o gas metano.