Vimos por meio desta carta manifestar nossa solidariedade e apoio aos companheiros da Ocupação Lanceiros Negros, localizada no centro da cidade de Porto Alegre, a qual é articulada pelo Movimento de Luta dos Bairros e Favelas – MLB entidade que integra o Fórum Estadual de Reforma Urbana do Rio Grande do Sul – FERU | RS.
Entendemos que a moradia é um direito humano e um componente fundamental para o cumprimento da função social da propriedade urbana e da cidade, conforme previsto na Constituição Federal, e que prédios públicos desocupados do Estado devem, na cidade, servir para moradia popular, conforme Constituição Estadual em suas disposições transitórias (Art. 14 da Constituição Estadual). Neste momento em que, o estado, mais especialmente a região metropolitana de Porto Alegre tem sido o palco de vários despejos, considerado pela ONU uma grave violação aos direitos humanos (Resolução nº 2004/2841 do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas)[1], é fundamental que possamos reafirmar a necessidade de se avançar na proteção e na garantia de direitos fundamentais, como o direito à moradia, e na democratização da cidade, especialmente dos espaços públicos e das áreas centrais a exemplo do que ocorre na já consolidada Ocupação Vinte de Novembro e como vem sendo pautado na luta da Ocupação Saraí, ambas localizada no centro de Porto Alegre.
Desde o dia 14 de novembro, a Ocupação Lanceiros Negros traz vida, com as suas 98 famílias, para um prédio vazio, de propriedade do Estado do Rio Grande do Sul localizado no centro de Porto Alegre. São famílias que, a exemplo de milhares de outras no estado do Rio Grande do Sul, não têm outras alternativas de moradia e são vítimas da exclusão social ocasionada pela pressão da especulação imobiliária e da incapacidade do Poder Público de prover moradia digna e da sua ineficácia em regular o mercado de terra, conforme definido na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01).
Lanceiros Negros, Saraí, Vinte de Novembro nos levam a uma reflexão: Quem tem direito a morar no centro das grandes cidades? Quem tem direito aos equipamentos e serviços públicos, ali disponíveis? A cidade está a serviço de quem?
Mesmo na luta por um direito constitucional e ocupando um prédio que não cumpre, com uma função social desde 2006, a Ocupação Lanceiros Negros está ameaçada de despejo, pois o Estado do Rio Grande do Sul já entrou com Ação de Reintegração de Posse.
Entendemos que esta ação do Estado é muito contraditória, visto que recentemente o mesmo Estado, através deste Conselho instalou um Grupo de Trabalho para prevenir e mediar conflitos urbanos. Neste sentido, judicializar este conflito, sem ao menos dialogar com os moradores, é uma atitude que se choca frontalmente com o que tem sido deliberado nas conferencias e nas plenárias do Conselho Estadual das Cidades.
Importante destacar que o Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto Estadual Nº 51.712/2014 e que tem por finalidade “buscar alternativas concretas para a solução de situações específicas relacionadas com a desocupação de áreas públicas e privadas urbanas no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul – Grupo de Trabalho dos Conflitos Fundiários”, vem na esteira de uma Política Nacional de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos[2], que diz ser papel, ação e competência comum a todos os entes federados “promover o diálogo e a negociação entre as partes afetadas pelo conflito, instituições e órgãos públicos das três esferas da federação e entidades da sociedade civil vinculados ao tema, com o objetivo de alcançar soluções pacíficas nos conflitos fundiários urbanos, garantindo o direito à moradia digna e adequada e impedindo a violação dos direitos humanos”.
Requeremos:
- A suspensão da Ação de Reintegração de Posse movida contra a ocupação Lanceiros Negros, através da sinalização do governo do Estado do Rio Grande do Sul ao Poder Judiciário informando o seu interesse em abrir dialogo a partir do Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto Estadual Nº 51.712/2014;
- O IMEDIATO estabelecimento do Grupo de Trabalho, pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul, como o espaço para a mediação do conflito vivido pela Ocupação Lanceiros Negros;
- A realização de uma Audiência Pública, chamada pelo Grupo de Trabalho de Conflitos Fundiários urbanos do Conselho estadual das Cidades, para tratar sobre o tema dos conflitos fundiários urbanos envolvendo as ocupações de Porto Alegre, a sociedade civil e os representantes dos poderes executivo e legislativo do município e do Estado bem como também do poder judiciário;
- O compromisso do governo do estado do Rio Grande do Sul com o Despejo Zero – nenhum despejo sem que existam respostas, em nível de políticas públicas, que garantam o direito à moradia das famílias.
- A desapropriação por abandono, pelo Município de Porto Alegre/RS do prédio ocupado conforme prevê o art. 1276, caput do Código Civil Brasileiro.[3]
[1] “A prática de despejos forçados é (considerada) contrária as leis que estão em conformidade com os padrões internacionais de direitos humanos, e constitui uma grave violação de uma ampla gama de direitos humanos, em particular o direito á moradia adequada.” Resolução nº 2004/2841 do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
[2] Resolução Recomendada nº 87/2009 do Conselho Nacional das Cidades.
[3] Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.
§ 1o O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.
§ 2o Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.