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domingo, 29 de novembro de 2015

CARTA DE SOLIDARIEDADE À OCUPAÇÃO LANCEIROS NEGROS - PORTO ALEGRE/RS


                 Vimos por meio desta carta manifestar nossa solidariedade e apoio aos companheiros da Ocupação Lanceiros Negros, localizada no  centro da cidade de Porto Alegre,  a qual é articulada pelo Movimento de Luta dos Bairros e Favelas – MLB entidade que integra o Fórum Estadual de Reforma Urbana do Rio Grande do Sul – FERU | RS.

           Entendemos que a moradia é um direito humano e um componente fundamental para o cumprimento da função social da propriedade urbana e da cidade, conforme previsto na Constituição Federal, e que prédios públicos desocupados do Estado devem, na cidade, servir para moradia popular,  conforme Constituição Estadual em suas disposições transitórias (Art. 14 da Constituição Estadual).  Neste momento em que, o estado, mais especialmente a região metropolitana de Porto Alegre tem sido o palco de  vários despejos,  considerado pela ONU uma grave violação aos direitos humanos (Resolução nº 2004/2841 do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas)[1], é fundamental que possamos  reafirmar a necessidade de se avançar na proteção e na garantia de direitos fundamentais, como o direito à moradia,  e na  democratização da cidade,  especialmente dos espaços públicos e das áreas centrais a exemplo do que ocorre na já consolidada Ocupação Vinte de Novembro e como vem sendo pautado na luta da Ocupação Saraí, ambas localizada no centro de Porto Alegre.

               Desde o dia 14 de novembro, a Ocupação Lanceiros Negros traz vida, com as suas 98 famílias,  para um prédio vazio, de propriedade do Estado do Rio Grande do Sul localizado no centro de Porto Alegre. São famílias que, a exemplo de milhares de outras no estado do Rio Grande do Sul, não têm outras alternativas de moradia e são vítimas da exclusão social ocasionada pela pressão da especulação imobiliária e da incapacidade do Poder Público de prover moradia digna e da sua ineficácia em regular o mercado de terra, conforme definido na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01).
Lanceiros Negros, Saraí, Vinte de Novembro nos levam a uma reflexão: Quem tem direito a morar no centro das grandes cidades? Quem tem direito aos equipamentos e serviços públicos, ali disponíveis? A cidade está a serviço de quem?

             Mesmo na luta por um direito constitucional e ocupando um prédio que não cumpre, com uma função social desde 2006, a Ocupação Lanceiros Negros está ameaçada de despejo, pois o Estado do Rio Grande do Sul já entrou com Ação de Reintegração de Posse.

            Entendemos que esta ação do Estado é muito contraditória, visto que recentemente o mesmo Estado, através deste Conselho instalou um Grupo de Trabalho para prevenir e mediar conflitos urbanos. Neste sentido, judicializar este conflito, sem ao menos dialogar com os moradores, é uma atitude que se choca frontalmente com o que tem sido deliberado nas conferencias e nas plenárias do Conselho Estadual das Cidades.  

               Importante destacar que o Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto Estadual Nº 51.712/2014 e que tem por finalidade “buscar alternativas concretas para a solução de situações específicas relacionadas com a desocupação de áreas públicas e privadas urbanas no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul – Grupo de Trabalho dos Conflitos Fundiários”, vem na esteira de uma Política Nacional de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos[2], que diz ser papel, ação  e competência comum a todos os entes federados “promover o diálogo e a negociação entre as partes afetadas pelo conflito, instituições e órgãos públicos das três esferas da federação e entidades da sociedade civil vinculados ao tema, com o objetivo de alcançar soluções pacíficas nos conflitos fundiários urbanos, garantindo o direito à moradia digna e adequada e impedindo a violação dos direitos humanos”.

Requeremos:
 - A suspensão da Ação de Reintegração de Posse movida contra a ocupação Lanceiros Negros,  através da sinalização do governo do Estado do Rio Grande do Sul ao Poder Judiciário informando o seu interesse em abrir dialogo a partir do  Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto Estadual Nº 51.712/2014;

 - O IMEDIATO estabelecimento do Grupo de Trabalho, pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul,  como o espaço para a mediação do conflito vivido pela Ocupação Lanceiros Negros;

- A realização de uma Audiência Pública, chamada pelo Grupo de Trabalho de Conflitos Fundiários urbanos do Conselho estadual das Cidades, para tratar sobre o tema dos conflitos fundiários urbanos envolvendo as ocupações de Porto Alegre, a sociedade civil e os representantes dos poderes executivo e legislativo  do município e do Estado bem como também do poder judiciário;

- O compromisso do governo do estado do Rio Grande do Sul com o Despejo Zero – nenhum despejo sem que existam respostas, em nível de políticas públicas, que garantam o direito à moradia das famílias.

 - A desapropriação por abandono, pelo Município de Porto Alegre/RS do prédio ocupado conforme prevê o art. 1276, caput do Código Civil Brasileiro.[3] 


[1] “A prática de despejos forçados é (considerada) contrária as leis que estão em conformidade com os padrões internacionais de direitos humanos, e constitui uma grave violação de uma ampla gama de direitos humanos, em particular o direito á moradia adequada.” Resolução nº 2004/2841 do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

[2] Resolução Recomendada nº 87/2009 do Conselho Nacional das Cidades.

[3] Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

§ 1o O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

§ 2o Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

A responsabilidade pela situação, é claro, está sempre, invariável e inapelavelmente, em dois lugares: no povo e nos céus.

Por Manolo - Passa Palavra
Os deslizamentos de terra são um problema crônico de Salvador. Já no século XVIII eles eram registrados. Do mesmo modo, as chuvas de outono/inverno são cíclicas em Salvador. É normal que entre abril e maio os soteropolitanos já esperem que o céu lhes desabe sobre as cabeças. E o relevo da cidade é, realmente, irregular: antes do surto de tamponamento e aterramento vivido a partir dos anos 1960, Salvador era uma cidade repleta de rios, riachos, córregos, lagoas, nascentes e minadouros, tudo isso interferindo no relevo e fazendo-o pleno de morros e vales. Além disso, há uma falha geológica que corta uma linha rente ao mar banhado pela Baía de Todos os Santos, aproveitada pelos portugueses para construir uma cidade dividida entre um centro administrativo e residencial na acrópole e um centro portuário e comercial rente à praia. Esta falha geológica, que não se limita ao Centro da cidade, estendendo-se até os subúrbios, é ocupada esporadicamente há séculos, a permanência dependendo da capacidade de resistir às chuvas. 



Este é o diagnóstico feito por, literalmente, todos os planos de desenvolvimento urbano da cidade, desde o plano do Escritório de Planejamento Urbano da Cidade do Salvador (EPUCS), de 1948, até o recente Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), de 2008. Não bastasse isso, não há entre as classes exploradas soteropolitanas quem não tenha sofrido na pele as consequências de um deslizamento, ou quem não conheça quem as tenha sofrido; isto cria um saber coletivo que se vai transmitindo ao longo dos séculos – o que, numa cidade fundada em 1549, quer dizer alguma coisa.

Mas que se faz diante destes fatos? Pouco, para não dizer nada. Historicamente, o espaço urbano de Salvador é segregado entre os terrenos dos topos de morros, das cumeadas e das áreas planas, muito valorizados e sistematicamente ocupados pelas classes dominantes de cada momento, e as encostas, os vales encharcados, as pedreiras, a falha geológica – em suma, o que não tem valor no mercado de terras, por isto mesmo ocupado sistematicamente pelas classes exploradas de cada momento. Ninguém vai morar pendurado na encosta porque quer; vai-se para lá porque se é empurrado, forçado, levado a isso por circunstâncias econômicas e sociais.

Ao longo dos anos, a remoção forçada é a principal forma de tratamento da questão. E as remoções são tão drásticas que, em tempos de menos chuva, comunidades de encosta preferem ver o diabo a ser visitadas pela Defesa Civil. (Diga-se de passagem que, nas chuvas recentes, a Defesa Civil tem sido ajudada pelo Exército a, digamos, “convencer” as famílias a sair, sob a desculpa de que se trata de medida necessária para assegurar a proteção dos poucos bens restantes, sempre sob risco de saque nas casas abandonadas ou nos galpões provisórios.)

Em que resulta a remoção pela Defesa Civil municipal? Em que as famílias são encaminhadas para apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida, ou que recebem um auxílio temporário para reconstruir sua vida. Este auxílio, que até um ou dois anos atrás era de R$ 150,00, agora passou a R$ 300,00, e é pago (com atrasos sistemáticos) por até seis meses; o pagamento de um auxílio extra, no valor de R$ 2.364,00, é uma novidade cujos resultados ainda estão por ser vistos. (E não pensem os mais afoitos que o Governo da Bahia trataria a questão com mais cuidado: o auxílio pago pelo governo está congelado há anos em R$ 250,00, majorado para R$ 450,00 para famílias na poligonal do Centro tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).) Fora isso, a rotina é passarem as famílias alguns meses em galpões alugados, ou em quadras de escolas municipais.




E é só isso o que se faz? Sim. Embora o sistema de defesa civil municipal preveja, tal como os sistemas estadual e federal, ações preventivas e envolvimento da comunidade no processo de prevenção de desastres, no máximo a solução apresentada é o fornecimento emergencial de lonas para cobrir os terrenos expostos à chuva.

A responsabilidade pela situação, é claro, está sempre, invariável e inapelavelmente, em dois lugares: no povo e nos céus. Já se tratou neste site do ridículo que é acusar o povo pela sua própria desgraça (ver aqui); vamos agora tratar da responsabilidade dos céus.

A Prefeitura de Salvador​ mente descaradamente quando diz que estas foram as chuvas mais fortes dos últimos 21 anos (ver aqui) entrevista com o prefeito Antônio Carlos Magalhães Neto). Quem quiser e tiver tempo, que vá até a página do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e dê uma olhada (ver aqui). Quem não tiver tempo, siga lendo os dados abaixo.

Até agora, em abril de 2015, foram acumulados 271mm de precipitação. Vejamos o que dizem os registros para os anos anteriores.

Maio de 2014: 245mm. Junho de 2014: 264mm. Depois, uma diminuição no ritmo das chuvas, até dezembro. Julho de 2014: 201mm. Total acumulado dos três meses de chuva intensa: 710mm. Notem que no momento mais intenso de precipitação há uma diferença para menos de meros 7mm. Os entendidos poderão me dizer se estes 7mm representam chuva intensa ou chuva fraca.

Abril de 2013: 261mm. Maio de 2013: 218mm. Junho de 2013: 291mm. Total de três meses acumulados de chuva intensa: 770mm. Só aqui, já vimos que junho de 2013 teve chuvas mais intensas que abril de 2015. 


 


Maio de 2012: 423mm. Junho de 2012: 167mm. Julho de 2012: 171mm. Total de três meses de chuva intensa: 761mm. Notem que em maio choveu uma vez e meia mais do que em abril deste ano.

Em resumo: as chuvas foram intensas, mas não estão assim tão “fora da curva” quanto a Prefeitura quer nos fazer crer. A responsabilidade pelos deslizamentos não está no céu, mas aqui embaixo, na Praça Municipal e no Centro Administrativo da Bahia. Embora seja o prefeito a estar na berlinda por decretar estado de emergência em determinadas áreas da cidade (o que lhe permitirá contratações sem licitação para prestar serviços urgentes), o Governo da Bahia também tem responsabilidades quanto à defesa civil, e ao longo de sucessivas gestões foi tão inepto quanto a prefeitura.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Prefeitura de Porto Alegre não reconhece plano popular que cria o Corredor Parque do Gasômetro

Ao negar o projeto popular, a Prefeitura de Porto Alegre não reconhece o Estatuto da Cidade nem o fato de ser uma conquista dos movimentos populares.  Veja a fala da liderança do movimento Viva Gasômetro realizada na Tribuna Popular da Câmara Municipal de Porto Alegre em 20/05/2013. 




Boa tarde a todas e a todos,

Nós do Viva Gasômetro temos nos sentido na ditadura desde o episódio de 6 de fevereiro, episódio conhecido como a derrubada das árvores.

O Executivo, membros do legistativo do Judiciário, passaram a defender o desrespeito a lei. O Plano Diretor foi transformado na imprensa por membro do Executivo Municipal em um" Plano de Intenções", segundo palavras deste o "Plano Diretor contem intenções".

Atônitos estamos ao termos que defender a principal lei do município, a Lei do Plano Diretor junto aos acima citados.

A Cidade que já foi referência pela participação popular, OP e Forum Social Mundial e que ainda hoje recebe prêmios por isto, agora se transforma, tenta desqualificar as lutas empreendidas pela população.
Ao mesmo tempo a cidade se vê envolvida em escândalos, o das licenças ambientais, o escândalo das licenças da SMOV, o escândalo do aumento das passagens, tiro na feira do peixe.

Com tudo isso o Executivo Municipal insiste em desrespeitar a população. Nos sentimos desrespeitados quando por exemplo o Executivo convoca seus funcionários, para confrontar nesta casa os movimentos sociais.

Queremos afirmar nesta casa que só aconselha a duplicação da via no Gasômetro na forma de via na superficie quem não frequenta o Gasômetro, quem frequenta este local é testemunha da multidão que acomete este local durante, e principalmente aos finais de semana.

Queremos também afirmar que em quase sete anos de movimento pudemos presenciar no Gasômetro apenas dois engarrafamentos no trecho apontado como o Corredor Parque do Gasômetro. Em compensação foram incontáveis os atropelamentos inclusive com morte. Entendemos que se a duplicação da via for feita na superficie, este risco será potencializado.

Queremos mais uma vez contar aqui nesta casa nossa história, mas desta vez com enfoque em nossa participação no Plano Diretor.

Era uma noite de quarta-feira, 7 de março de 2007, nosso recém criado (1) movimento, o Viva Gasômetro, desembarcava pela primeira vez na Câmara Municipal de Porto Alegre para assistir a primeira apresentação preparatória para a Revisão do Plano Diretor que se avizinhava. O então Secretário Municipal de Planejamento José Fortunati convoca a população para participar.

Nós do Viva Gasômetro, nos reuníamos em nossa “sede oficial”- calçada da Rua General Salustiano frente ao número 294 – e conversávamos com os moradores da região e transeuntes sobre as melhorias que estes desejavam para o Gasômetro.

As reuniões seguintes aconteceram no auditório do último andar da Secretaria de Planejamento do Município. Foi neste local que tivemos conhecimento de um estudo para o centro da cidade, estudo este feito por integrantes da Região de Planejamento 1 a RGP1, composta por dezessete delegados coordenados pelo Sr. D’ Almolin. Estudo que previa diversas ações para o centro da cidade entre elas um Parque no Gasômetro.

De posse desse estudo apresentamos este a diversos integrantes do Viva Gasômetro e moradores da região e a decisão foi unânime decidimos somar às nossas outras lutas, a luta por um parque no Gasômetro. No total foram 12 ações sugeridas à Revisão do Plano Diretor de Porto Alegre.

Após anulação de duas Audiências Públicas, uma realizada na UFRGS e outra no Ginásio da Brigada, a revisão do Plano Diretor passa a ser acompanhada – além dos grupos ligados a Secretaria de Planejamento – pela Câmara Municipal também através do recém criado Forum de Entidades, que congregou mais de 80 entidades da sociedade civil sugerindo emendas ao Plano.

Na Câmara Municipal o Ver. Comassetto nos apontou o caminho do “gravame” do Corredor Parque do Gasômetro e apresentou a emenda que posteriormente criou o parque em nosso nome.

Tivemos uma primeira “tentativa” de votar o Plano Diretor, mas não vingou, o então relator o Ver. Luiz Braz inclui em seu relatório a criação do Corredor Parque do Gasômetro. Mas após quatro anos de mandato, a Camara não votou a Revisão do Plano. Era o ano de 2008 e a Câmara Municipal decide que teríamos de começar tudo de novo, lá fomos nós… O Ver. Comassetto apresenta novamente a emenda em nosso nome, novamente ela faz parte do relatório e, em setembro de 2009, é votada e aprovada por unânimidade dos vereadores presentes na casa (eram cerca de trinta e tres vereadores presentes).

O Artigo 154 em seu inciso XXI prevê a criação do Corredor Parque do Gasômetro, que deverá ser composto minimante pelas praças Brigadeiro Sampaio, Júlio Mesquita, ponta do Cais Mauá e Orla do Gasômetro.(2)

Muito próximo da votação de nossa emenda ao Plano Diretor o projeto Cais Mauá apresenta em Audiencia Pública a primeira versão. Neste projeto o Grupo do Arquiteto Jaime Lerner previa um prédio de 100 m de altura (da altura da chaminé da Usina) para o terreno imediatamente ao lado da Usina, era isto que estava previsto para o Gasômetro para o projeto Cais Mauá um prédio de 100m. Por pressão dos movimentos socias, incluindo o Viva Gasômetro, quando o projeto veio para a votação na Camara em 21 de dezembro de 2009, o projeto previa para um Gasômetro um prédio de 12 metros (quatro andares) e um gramado em torno deste, nós entendemos que por pressão de nosso movimento junto a gestores do projeto Cais Mauá nosso projeto do Corredor Parque do Gasômetro havia sido adotado por estes.

Nosso parque está no Plano Diretor da Cidade como já dissemos, no entanto uma falha do Executivo, a não criação da lei complementar no período de 18 meses- lei que definiria o trajeto total e a “forma” do Corredor Parque do Gasômetro é usada de forma a nos fragilizar. Desde nossas primeiras intervenções em favor do Parque(foram 9 Tribunas Populares e 1 PC Temático), sempre apontamos o caminho do entrincheiramento dos carros, com um gramado por cima criando uma esplanada. Sempre apontamos tambem o desejo de que a extensão do Corredor Parque do Gasômetro tenha início na Praça Brigadeiro Sampaio, logo após os prédios do Exército, passando assim por parte da Av. Mauá, Av. João Goulart(frente a Usina) finalizando junto ao entroncamento da Loureiro da Silva junto a escultura de Xico Stockinger(próximo a Câmara Municipal)(2).

Vale ainda lembrar que a data em que efetivamente o Corredor Parque do Gasômetro foi criado foi em 22 de julho de 2010 quando foi sacionada a Revisão do Plano Diretor.

Nossa forma de agradece aos todos que colaboraram na inclusão do Corredor Parque do Gasômetro no Plano Diretor, foi prestar uma singela homenagem, entregando o Troféu Viva Gasômetro, em 2009 recebeu o Ver. Comassetto, em 2010 foi a vez do conjunto dos vereadores receber a homenagem, o Troféu foi entregue nessa ocasião ao então Vereador Presidente desta casa NelcyrTessaro em 2011 foi a vez de sua Excelência Prefeito Municipal receber nossa singela homenagem, por ter sancionado artigo 154 inciso XXI.

Esta é a história de nossa luta.

Se somem a ela.

Abraços em todos e em todas.


Jacqueline Sanchotene
Coordenadora do Movimento Viva Gasômetro
http://vivagasometro.blogspot.com
(1) Manifestação do Viva Gasômetro aconteceu em 16/12/2006, em função de melhorias para a Praça Júlio Mesquita.

(2) Previmos um “corredor” para que não intercedessem em áreas que não eram de domínio do município.”




quarta-feira, 20 de junho de 2012

Entrevista com Ermínia Maricato na Rio+20

Leia abaixo trechos da entrevista de Ermínia Maricato durante a Cúpula dos Povos no Rio de Janeiro.

Fonte: Canal TV CartaMaior. Publicado em 18/06/2012.

Vozes Globais - Ermínia Maricato - Carta Maior na Rio+20

Rio +20 dá pouca importância para a questão urbana

"Porque as nossas cidades não tem a mesma visibilidade que as outras questões que estão sendo colocadas e é uma perfeita cegueira porque a cidade tem um impacto fortíssimo no meio ambiente, especialmente se a gente considerar que o automóvel é a matriz do transporte de muitas cidades no mundo. E se a gente considerar que o mundo passa a ser predominantemente urbano a partir dessa década e daqui pra frente especialmente os continentes que até hoje se mantiveram rurais passam a ser predominantemente urbanos. Então nós temos um impacto muito grande na produção de dejetos e, portanto, na poluição de rios, lagos, praias. Nós temos um impacto muito grande na poluição do ar, no aquecimento da camada de ozônio, nós temos um impacto muito grande na impermeabilização dos solos nestas metrópoles enormes ou nessas cidades, como acontece nos estados unidos, dispersas que se desenvolvem horizontalmente a perder de vista baseadas no asfalto e no automóvel. Enfim, nós temos, principalmente nos países não centrais do capitalismo, parte das nossas cidades são ilegais e avançam sobre as áreas ambientalmente frágeis como a gente conhece que são os morros, as matas, os mangues, as dunas, que são as áreas que sobram que sobrem para a população que não conseguem entrar no mercado de trabalho e que não consegue ser atendida pelas políticas públicas."

O que é uma cidade sustentável e como se chega à ela

"É muito difícil se nós considerarmos uma sociedade muito desigual como são alguns países da África, como é a Índia, como são vários países da América Latina em que as localizações na cidade tem preço. A melhor localização é uma localização mais cara e que todas as localizações que o mercado deseja ele monopoliza e nós expulsamos grande parte da população pra fora das cidades.

Então, nós temos que fazer valer a função social da propriedade isto é, o interesse coletivo e social tá acima do interesse individual. Nós temos que incluir essa população na cidade, nós temos que controlar o uso e ocupação do solo pra ter áreas permeáveis para a água da chuva, nós temos que incluir a população que tá excluída. Portanto eu tô falando muito de alguma coisa que os arquitetos estão defendendo a 50 anos. Aliás, a precisamente 51 anos que a reforma urbana tem como questão central o uso e a ocupação do solo, a propriedade imobiliária, a renda imobiliária, o valor do pedaço de terra ou do imóvel urbano."

Eleições, cidade e a reforma urbana

"Olha, o que a gente percebe é que nós estamos passando por uma crise fortíssima nas cidades. Elas estão se tornando extremamente desumanas e insustentáveis e o paradoxo é que essa crise ela parece mais forte exatamente quando existe investimento público nas áreas de habitação, saneamento e agora vamos ver se investimento chega nos transportes. Por que? Porque com o MCMV nós temos um impacto muito grande sobre o preço da terra, um impacto exagerado que poderia ser absorvido se o Estatuto da Cidade fosse aplicado com a função social da propriedade. Mas há uma ausência total das prefeituras a quem caberia essa competência de fazer valer a reforma urbana, de fazer valer uma cidade mais democrática, de tentar incluir a população que tá excluída das cidades e tá morando nas favelas e nos loteamentos irregulares. (...) no Brasil esses dados não são meros apêndices. A gente pode pensar: "não, mas é pouca gente". Não. Nós temos mais de 50% da população de Belém, nós temos mais de 40% da população do Recife, de Salvador. Nós temos mais de 1/4 da população do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte, de Porto Alegre. Quase 1/4 da população de São Paulo. Nós temos quase 15% da população de Curitiba que só em Curitiba, só em favelas nós temos esse número de população, na região metropolitana muito mais. Então, uma parte da população brasileira pobre mora numa cidade que ela construiu e grande parte dessa cidade está em área de proteção ambiental. (...)."

Debate eleitoral e a cidade

Eu espero que os prefeitos, governadores mas especialmente o judiciário: leia a Constituição Brasileira, leia por favor o Estatuto da Cidade, Leia os Planos Diretores e apliquem! E apliquem a lei! Por que? Por essas leis, principalmente as duas primeiras que citei, o direito a moradia é um direito absoluto. As populações não podem ser despejadas como está acontecendo no Brasil todo. De uma forma a não cumprir nenhum dos compromissos internacionais do Brasil a respeito do assunto e a legislação brasileira. O direito à moradia está na Constituição Federal, ele é absoluto. O direito à propriedade é que não é absoluto na Constituição Federal. O direito à propriedade urbana. A propriedade urbana está submetida à função social e essa função social, ainda que os planos diretores possam não ser tão claros, não há dúvidas quando uma comunidade está ocupando há anos um terreno que estava abandonado, e que um proprietário que nem sempre é proprietário porque isso às vezes o judiciário não ve, não há dúvida que esta comunidade ocupando este terreno cumpre mais a função social da propriedade do que ela ser despejada e esse terreno voltar pras mãos de um proprietário que só vai especular com esse terreno".

Assista a entrevista completa no vídeo abaixo.












segunda-feira, 21 de maio de 2012

Moradia é Central

Fonte: site o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

A publicação “Moradia é Central – lutas, desafios e estratégias” que tem o objetivo de contribuir com os movimentos de moradia na discussão sobre o direito de morar dignamente nas áreas centrais das cidades brasileiras. A publicação foi construída em parceria com movimentos e entidades sociais de diferentes regiões brasileiras. Ela evidencia a problemática da habitação no Brasil e a importância da moradia digna para população de baixa renda nas áreas centrais. Traz um estudo sobre o Programa de Locação Social em São Paulo, além de experiências das lutas dos movimentos de moradia e organizações sociais em Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Santos e São Paulo, os avanços conquistados e os desafios técnicos e políticos para a efetivação do Direito à Moradia. Para acessar a publicação clique aqui. 




sábado, 12 de maio de 2012

Lomba do Pinheiro: itinerários culturais


Mapa dos itinerários culturais na Lomba do Pinheiro - Porto Alegre (RS). 


Mike Davis sobre os espaços públicos


P: Então, é preciso inverter a lógica e criar mais espaços públicos.

R: A abundância pública - representada por grandes parques urbanos, museus gratuitos, bibliotecas e inúmeras possibilidades de interação humana - é uma rota alternativa para uma vida rica baseada em uma sociabilidade que não agride a Terra.

No entanto, prosperidade pública deve ser equilibrada em todas as dimensões socioespaciais. Riqueza cultural e espaço verde geralmente se acumulam em centros inacessíveis para que sejam desfrutados basicamente por turistas e pela alta classe. Em vez disso, a prioridade deve ser construir complexos culturais, educacionais e esportivos que funcionem como centros cívicos para bairros e distritos suburbanos, mesmo que para isso seja preciso suspender os investimentos no centro da cidade. (É evidente que, paralelamente, as maravilhas dos centros devem se tornar acessíveis para todos, por meio de passagens mais baratas e entradas gratuitas).

Maior concentração de atividades essenciais - trabalho, educação, lazer -, por sua vez, possibilita maior densidade residencial em centros distritais e a preservação de espaço aberto nas zonas periféricas. De fato, a sobrevivência ecológica da maioria das cidades depende fundamentalmente da recuperação de bacias e florestas viáveis.

Na dialética californiana, precisamos ser utópicos e holísticos ao mesmo tempo. Atualmente, a crise interna da política ambiental é exatamente a falta de conceitos ousados, que abordem os desafios da pobreza, energia, biodiversidade e mudança climática com uma visão integrada do progresso humano.

Os mais abastados já podem escolher entre grande variedade de projetos ecologicamente corretos, mas qual é o objetivo final: permitir que celebridades se vangloriem de seu estilo de vida com zero emissão de carbono ou levar energia solar, saneamento, clínicas pediátricas, transporte coletivo e, acima de tudo, empregos verdes para as áreas urbanas carentes?

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Mike Davis, Professor da Universidade da Califórnia, é autor de inúmeros livros e artigos. Alguns disponíveis em português: Planeta Favela, ed. boitempo, 2006; Cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles, ed. boitempo, 2009; Ecologia do Medo, ed. Record, 2001; Holocaustos coloniais, ed. record, 2002.
O texto acima é um excerto da entrevista publicada na edição nº 181 (abril de 2012) da revista Caros Amigos. Ainda está nas bancas.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Entrevista Ermínia Maricato


Professora Ermínia Maricato, que proferiu aula magna na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, é uma profunda conhecedora da política urbana brasileira. Depois de participar da criação do Ministério das Cidades, que prometia trazer uma revolução na política federal de urbanismo, Ermínia se tornou uma crítica da política de governo em vigor no Brasil. Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, a professora analisou as obras de mobilidade para a Copa do Mundo e o Ministério das Cidades, entre outros assuntos.

Como a senhora vê as obras de mobilidade para a Copa do Mundo?

Eu prefiro não abordar nada em relação à Copa do Mundo, porque ela é um momento que vai passar. E é um momento muito difícil. Eu acho que nós vamos ficar com uma herança muito pesada no Brasil em relação à Copa do Mundo. A China ficou com uma herança pesada por conta das Olimpíadas, porque não sabe o que fazer com os elefantes brancos que criou. A África do Sul, que saiu de uma Copa, também tem uma herança pesada. É gasto muito dinheiro e na verdade a repercussão para a população da África do Sul, que é muito pobre, não pesou muito. As obras de mobilidade estão servindo aos turistas na África do Sul porque é direcionado para o caminho aeroporto-hotel-estádio. Na verdade, a população africana pobre fica andando a pé, no transporte público de péssima qualidade, como é no Brasil.

E em relação ao Minha Casa Minha Vida?

Não é uma resposta rápida. Nós estamos desde a época do BNH (Banco Nacional de Habitação) sem política de habitação. Eu participei da criação do Ministério das Cidades e no próprio Ministério. Com o Governo Lula, a partir de 2003, voltou a se ter investimento em habitação e saneamento no país. Em mobilidade, não. Não existe essa política de mobilidade urbana a nível federal. Do governo sai recursos, houve uma regulação, mas faltou algo. É preciso duas pernas: uma é recurso e a outra é terra urbana. Terra urbana significa terra urbanizada, com água, esgoto, transporte, escola, energia, etc. Não temos uma das pernas porque não fizemos a reforma fundiária, na terra. Nem todo mundo tem direito à cidade. Pobres no geral não têm direito à cidade, ou seja a maioria. Não há acesso a essa terra urbanizada. E por que? Porque essas terras estão sob o domínio do mercado imobiliário. Nossas cidades hoje são pasto para o mercado imobiliário, elas são comandadas por esse mercado. E os preços estão subindo. Na hora em que o Minha Casa, Minha Vida entra em ação, você tem uma elevação imediata e absurda, escandalosa, dos preços dos imóveis e da terra. Isso porque nós entramos com o recurso privado e público e não entramos com a democratização do acesso à terra.

Quem não tem recurso fica relegado às periferias e áreas de risco?

Exatamente. O que sobra? Sobra aquilo que o mercado não quer e o que a lei não permite. Áreas de proteção ambiental e áreas de risco. Aquilo que é proibido de ser ocupado. É o que sobra para os pobres nesse país.

Existe uma subserviência do Estado em relação ao mercado imobiliário?

Não é só subserviente. O Estado sai na frente, abrindo avenidas, prolongando avenidas e valorizando as terras que estão ali ociosas, o que é uma coisa proibida na constituição. O Estado se adianta para favorecer condições para o mercado imobiliário.

É um parceiro então?

Total. Sem dúvida nenhuma. Não conheço muito Natal, mas vi que isso acontece. Natal repete de forma potencializada esse panorama. Há muitos loteamentos com pura especulação. Nós temos lei para mudar isso, mas falta força da sociedade civil.

Quais as falhas do Ministério das Cidades?

Ele tem política para obras e não política urbana. Política urbana não é uma soma de obras. É importante que haja recursos, mas política urbana é controle do uso e ocupação do solo. É isso que favorece o meio ambiente, dá sustentabilidade e justiça social. É o que ninguém faz. Pela constituição, é uma responsabilidade do município. A legislação torna isso complexo. O Governo Federal, quando faz grandes obras para a Copa, na medida que isso não é regulado, está na verdade incentivando a especulação imobiliária, mesmo que ele não queira.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Plataforma Direito à cidade e Reforma Urbana - Rio +20

Por territórios justos, democráticos e sustentáveis  

O direito à cidade reforma urbana e reforma agrária como mudança de paradigma

Chamada para convergência na Rio+20

Nós, organizações e redes internacionais de habitantes pela reforma urbana e pelos direitos ao hábitat, , participaremos da Cúpula dos Povos, contra a mercantilização da vida e da natureza, em defesa dos bens comuns, que se realizará no Rio de Janeiro, Brasil, do dia 15 a 23 de junho de 2012, perante a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20).

Fazemos este chamado para que este espaço seja um marco no processo de consolidação do diálogo e das alianças na definição de uma plataforma e um programa de ação comum entre os movimentos de habitantes do campo e da cidade, e de todas as organizações que lutam por territórios justos, democráticos e sustentáveis.

Construamos este diálogo para dar-lhe prosseguimento em novos espaços, tais como o Fórum Urbano Mundial 6, Fórum Social Urbano 2 (Nápoles, setembro 2012) e Fórum Social Mundial – Assembleia Mundial dos Habitantes (Tunísia, março ou abril 2013).

As cidades e o direito de resistir ao modelo neoliberal que provocou a crise

Começamos o novo milênio com a metade da população vivendo em cidades, e a taxa de urbanização continuará crescendo. As cidades são territórios potenciais de grande riqueza e diversidade económica, ambiental, política e cultural. Contudo, o modelo neoliberal, implementado praticamente em todo o mundo, concentra renda e poder nas mãos das elites; os processos de urbanização acelerada contribuem para a depredação do meio ambiente e a privatização do espaço público, causando empobrecimento, exclusão e segregação social e espacial. Este é o modelo que levou à crise financeira global que está acirrando os problemas relativos à moradia, no campo e na cidade.

A grande maioria dos habitantes das cidades sofre os ataques deste modelo e suas repetidas crises, estando privada ou limitada na satisfação de suas necessidades básicas e, portanto, tem direito e a legitimidade de resistir às violações em seus direitos económicos, sociais, culturais e ambientais.

Desde a primeira Cúpula da Terra no Rio de Janeiro (ECO 92), movimentos populares, organizações sociais, associações profissionais, fóruns e redes nacionais e internacionais da sociedade civil assumiram o desafio de construir um modelo de sociedade e de vida urbana sustentável, baseado nos princípios de solidariedade, liberdade, igualdade, dignidade e justiça social.

A Carta Mundial pelo Direito à Cidade: plataforma comum para exigirmos nossos direitos e defender os bens comuns

Um resultado desta mobilização internacional dos setores da sociedade civil a partir do Fórum Social Mundial em Porto Alegre em 2001 foi a elaboração e difusão da Carta Mundial pelo Direito à Cidade, que propõe uma plataforma por cidades justas, democráticas, mais humanas e sustentáveis.

Sabendo que a construção de uma cidade justa e igualitária é inseparável das lutas pelo pleno usufruto social, equitativo e sustentável dos bens comuns, como a agua, a flora e a fauna, pela democratização do acesso à terra urbana e rural, pela reforma urbana y reforma agraria, pela democratização da gestão do território, pela soberania alimentar dos povos, pelas práticas agrícolas ambientalmente sustentáveis, pela garantia dos modos e meios de vidas dos agricultores e agricultoras familiares e das populações tradicionais e indígenas em todo o mundo, agora em 2012, frente aos governos, ao G20 e às instituições financeiras internacionais, com nossas lutas e nossas capacidades, voltamos a exigir as condições necessárias, em particular as políticas públicas, para a vida em harmonia, paz e felicidade em territórios justos e sustentáveis.

A partir da declaração do Rio aprovada pelo Fórum Urbano Mundial da ONU-Habitat em 2010, “o Direito à Cidade é compreendido como um direito coletivo das gerações presentes e futuras para uma cidade sustentável sem discriminação de sexo, idade, raça, estado de saúde, renda, nacionalidade, origem étnica, migração, orientação política, violência sexual e religiosa, assim como a preservar usa identidade e memoria cultural”, é hora de os Estados e a sociedade civil, juntos, apresentarmos obrigações e responsabilidades para com novos pactos sociais e territoriais fundamentados em paradigmas alternativos ao neoliberal, assumindo os seguintes compromissos:

1. O exercício pleno da cidadania. Uma cidade em que todas as pessoas (crianças, jovens, adultos, idosos, mulheres e homens, que vivem de forma permanentemente transitória nas cidades) realizam e desfrutam de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, mediante a construção de condições de bem-estar coletivo com dignidade, equidade e justiça social. Para este fim e para garantir o direito à cidade os seus habitantes, atores sociais e instituições devem poder exercer sua autonomia para resistir à agressividade da globalização neoliberal, sem sofrer a criminalizações de suas expressões cívicas.

2. A função social da cidade, da terra e da propriedade. Uma cidade onde seus habitantes participam para que a distribuição do território e a regulação de seu uso garantam o usufruto equitativo dos bens, serviços e oportunidades que a cidade oferece. Uma cidade em que se priorize o interesse público definido coletivamente, garantindo um uso socialmente justo e ambientalmente equilibrado do território. Portanto, devem-se gerar e implementar políticas públicas e instrumentos específicos para frear a especulação, a segregação urbana, a exclusão, os despejos e deslocamentos, e a concentração da terra urbana e rural.

3. A gestão democrática da cidade. Uma cidade onde seus habitantes participem de todos os espaços de decisão – até o mais alto nível - para a formulação e implementação das políticas públicas, assim como no planejamento, orçamento público e o controle dos processos urbanos. Trata-se de fortalecer os espaços institucionalizados de tomada de decisão e não apenas como os espaços consultivos – com participação na gestão, monitoramento e avaliação das políticas públicas.

4. A produção democrática da cidade e na cidade. Uma cidade onde se resgata e se fortalece a capacidade produtiva de seus habitantes, em especial dos setores populares, fomentando e apoiando a produção social do habitat e o desenvolvimento das atividades económicas solidárias, incluindo a agricultura urbana para fortalecer a soberania alimentar. O direito a produzir a cidade e a um habitat produtivo, incluindo o direito à energia, que gerem renda para todas e todos, que fortaleça a economia popular e não só as ganâncias quase monopólicas de uns poucos. Uma cidade aberta e alerta às necessidades dos grupos vulneráveis, das pessoas em situação de pobreza e de risco ambiental (ameaçadas e/ou vítimas de desastres ambientais gerados pelo ser humano), das pessoas ameaçadas e/ou vítimas de violência, das pessoas com deficiências , dos imigrantes e refigiados, e de todos os setores que estão marginalizados ou em desvantagem com respeito aos demais habitantes.

5. O manejo sustentável e a responsabilidade sobre os bens comuns naturais, patrimoniais e energéticos da cidade e seu entorno. Uma cidade onde seus habitantes e autoridades implementam políticas públicas para uma relação responsável dos bens comuns como a água e o meio ambiente – sem privatização -, para assegurar a vida digna das pessoas, das comunidades e povos, em igualdade de condições e sem afetar as áreas naturais de reserva ecológica; para a presente e para as futuras gerações.

7. O usufruto democrático e equitativo da cidade. Uma cidade que reconhece o direito ao acesso à igualdade e às oportunidades, favorecendo uma convivência social, promovendo a equidade de gênero, respeitando todas as pessoas, independentemente de sua etnia, idade, capacidades, orientação sexual e religião. Uma cidade que facilita a mobilidade de todos os seus habitantes, com tecnologia sustentável não poluidora e incentivos ao transporte público e a meios alternativos – como a bicicleta – para todas e todos. Uma cidade que inclui, na formação escolar, universitária e dos funcionários públicos responsáveis pelas políticas locais, o direito à cidade sustentável e o direito à comunicação horizontal e à informação.

Abril 2012

Subscrevem:
Alianza Internacional de los Habitantes, AIH
Foro Nacional de Reforma Urbana, FNRU, Brasil
Habitat International Coalition, HIC

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Nota de repúdio aos atos criminosos contra pessoas que vivem em situação de rua

Grupo de Trabalho de Inclusão Social da População em Situação de Rua do Paraná repudia ato criminoso e desumano ocorridos nas diversas cidades brasileiras, contra pessoas que vivem em situação de rua.

No último domingo (26/02/12), as ruas da região metropolitana de Brasília, foi palco de ação criminosa e desumana contra dois homens que viviam em situação de rua. Os dois foram incendiados por jovens cruéis que banalizaram a vida humana, ao atear fogo em pessoas vulneráveis, como é o caso daqueles que vivem nas ruas. Um dos homens não resistiu aos ferimentos e foi a óbito.

Infelizmente em Curitiba, a crueldade e o desrespeito pela vida humana, vêm se tornando algo muito presente no cotidiano das pessoas que se encontram em situação de rua no estado do Paraná. Na manhã desta terça-feira (28), um homem teve seu corpo incendiado enquanto dormia em região central da capital. E por ai não para, são muitos os casos de violações graves envolvendo esta população. Na madrugada do dia 29/06/2011 no bairro Juvevê, um homem teve seu corpo queimado enquanto dormia, indo a óbito. Naquela época os jornais locais divulgaram que os motivos do incêndio eram desconhecidos.

Neste sentido, pela necessidade urgente de dar visibilidade as graves violações de direitos humanos, que afetam aqueles/as que vivem em situação de rua no Brasil, é que o Grupo de Trabalho de Inclusão Social da População de Rua (GTIS) vem a público expressar repúdio a atos criminosos, que banalizam a vida humana e colocam em risco aqueles que se encontram impossibilitados, de exercer seu papel de sujeito de direitos. Também repudiamos a lentidão, com que age o Estado para efetivar políticas públicas de Proteção Social Especial, conforme prevê a Lei nº 12.435/2011, que altera a Lei Orgânica da Assistência Social, regulamentando e normatizando o Sistema Único da Assistência Social.

Por serem vitimas de uma sociedade que não prioriza as necessidades fundamentais do seu povo, a população em situação de rua é um dos segmentos que mais sofre com a vulnerabilidade, reflexos da falta de políticas públicas efetivas. Infelizmente a Proteção Social brasileira não tem conseguido criar condições que assegurem a emancipação social e econômica daqueles que vivem em situação vulnerável.

No Brasil, milhares de pessoas vivem em situação de rua, sendo que as maiores concentrações estão nas capitais. São muitos os motivos que levam as pessoas às ruas, assim, de acordo com Dra. Maria Neyara de Araújo, “as pessoas não escolhem cair na rua, elas como que escorregam para a rua. Vão paulatinamente acumulando perdas até que tudo perdem – trabalho, casa, documento, saúde, referências afetivas”.

O Grupo de Trabalho de Inclusão Social da População de Rua (GTIS), é uma articulação que envolve diversas organizações governamentais e não governamentais, movimentos social, sindical e estudantil, entre outras instituições.

Diante do exposto, manifestamos nossa solidariedade e nosso apoio à luta dos companheiros/as da Coordenação Nacional do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e sua base presente em diversos estados brasileiros, entre estes, destacamos: São Paulo, Bahia, Paraná, Minas Gerais, Ceará, Rio grande do Sul, Distrito Federal e Santa Catarina.

Grupo de Trabalho de Inclusão Social da População de Rua - GTIS
Associação Batista de Ação Social de Curitiba - ABASC
Câmara Municipal de Curitiba-PR representada pelo Mandato da Vereadora Josete
Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos – CESPDH/UFPR
Centro de Apoio dos Direitos Constitucionais do Ministério Público do Paraná
Coordenação Estadual do Movimento Nacional da População de Rua(MNPR) do Paraná
Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Paraná
Comitê Popular da Copa de Curitiba
Comitê da Luta Antimonicomial
Conselho Regional de Serviço Social 11ª Região –CRESS PR
Instituto de Defesa dos Direitos Humanos – IDDEHA
Movimento Nacional dos Catadores/as de Material Recicláveis – MNCR
Observatório de Políticas Públicas do Paraná
Núcleo de Comunicação e Educação Popular - NCEP
Pastoral do Povo de Rua - Diocese Curitiba
Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular – SAJUP
Terra de Direitos - Organização de Direitos Humanos

Desenvolvimento urbano beneficia setor imobiliário

Por Mario Leal Lahorgue
Blog Doktorclub


Parece incrível mas é verdade: é exatamente com o título acima que o site da Prefeitura Municipal de Porto Alegre noticia uma palestra do secretário de Planejamento Municipal, Márcio Bins Ely, no "1º Salão Pense Imóveis" na quinta-feira dia 23 de fevereiro (a notícia original você pode conferir neste link). Para completar, deve ser lembrado que o "Pense Imóveis" é um portal do Grupo RBS - sim, aquele mesmo do jornal Zero Hora, das TVs, rádios e etc.

Pela notícia, ficamos sabendo que o foco da palestra do Secretário foram as obras e intervenções da Prefeitura no espaço urbano (o que inclui as "obras da Copa") que trazem benefícios ao ramo imobiliário. Ele ainda lembrou da valorização imobiliária do Centro Histórico por conta das diversas obras de recuperação levadas pela Prefeitura, como da Praça da Alfândega, ida dos Camelôs para o Shopping do Porto, etc.

O setor imobiliário, gostemos ou não, é um ramo legítimo em nossa sociedade e tem todo direito de defender seus interesses. O que realmente não pode (ou não deveria acontecer) é o Poder Público admitir que faz obras para agradar este setor em específico. Por quê? Porque valorização imobiliária é um processo com poucos ganhadores e muitos perdedores. Ao contrário da ilusão dos proprietários individuais dos imóveis, o aumento do preço da terra urbana e dos bens imóveis só significa ganho para quem possui mais de uma propriedade e especula com elas. Encarecer a moradia significa encarecer o custo de vida de todos, além de transferir renda gerada no setor produtivo da sociedade para os bolsos de quem ganha dinheiro não por trabalhar, mas simplesmente por ser proprietário de parcelas do espaço urbano.

O papel da Prefeitura é (ou deveria ser) regular e fiscalizar o acesso ao solo urbano para que todos (pobres e ricos) possam ter acesso digno à moradia. Na verdade, os instrumentos para isto já existem e estão à disposição da Prefeitura. Lembremos do Estatuto da Cidade (nível federal) e do Plano Diretor de Porto Alegre. Por que, por exemplo, não se aplica em Porto Alegre o IPTU progressivo? A lei existe, e não é de hoje. Por que a planta de valores da Prefeitura - para cobrança de impostos - mostra valores muitíssimo abaixo dos preços praticados pelo mercado? Os exemplos poderiam ser vários.

Mas a palestra talvez explique porque a Prefeitura alega não poder construir as moradias dos deslocados por obras da Copa ou novas unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida em áreas mais centrais de Porto Alegre. Como representantes da Prefeitura mesmo já disseram explicitamente em audiências com moradores, a terra está muito cara. Só dá para o Poder Municipal comprar na periferia. E agora sabemos, a terra está cara entre outras razões porque a Prefeitura não só parece não se importar com isso, mas apóia este processo de especulação/valorização.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Suspenso o processo urbanístico da Nova Luz

Fonte: Correio do Brasil



A 8ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo determinou neste sábado a suspensão do processo de concessão urbanística da Nova Luz. O projeto pretende remodelar uma área de 45 quarteirões no centro da capital paulista, desapropriando e demolindo grande parte dos imóveis para conceder os terrenos à iniciativa privada. A prefeitura alega que essa parte de cidade, onde está localizada a Cracolândia, está deteriorada e precisa ser revitalizada.

O juiz Adriano Marcos Laroca entendeu que a execução do projeto não atendeu às exigências legais de que a população que vive e trabalha na região fosse ouvida. “A decisão política de aplicar no projeto Nova Luz o instrumento da concessão urbanística, de fato, não contou com a participação popular, sobretudo, da comunidade heterogênea [moradores de baixa renda, pequenos comerciantes de eletroeletrônicos, empresários etc.]”, diz o texto da liminar.

Além disso, baseado em um estudo da Fundação Getulio Vargas, o magistrado avaliou que apesar da remodelação do bairro ser conduzida pela iniciativa privada, haverá uma grande necessidade de investimentos públicos. “Há potencial dano ao patrimônio público, sobretudo, pela possibilidade de contratação da concessionária, sobretudo, pela possibilidade de contratação da concessionária dentro da equação financeira e econômica retratada acima, com grande investimento do poder público municipal”.
Na decisão, o juiz diz ainda que a paralisação da concessão urbanística não deve ser usada como justificativa para interromper a ação policial iniciada no começo do mês no bairro. “Exceto se tais entes [governos estadual e municipal] admitirem o ilusionismo social e político dessa ação governamental para a justificar a intervenção urbana”.
Para Adriano Laroca, “a cracolândia envolve questão eminentemente social e, portanto, não pode ser tratada por instrumentos urbanísticos, e sim por mecanismos e ações conjuntas de assistência social, saúde e trabalho”.

Desde o dia 3, a Polícia Militar (PM) começou a agir ostensivamente para coibir o uso e tráfico de drogas nas ruas da cracolândia, onde viciados fumavam e compravam crack livremente. Até o momento, foram presas 178 pessoas e capturados 48 foragidos da Justiça. Neste sábado, a PM apreendeu R$ 80 mil em drogas em uma favela próxima, que segundo a corporação, seriam distribuídas na região.

Durante as ações na cracolândia, a prefeitura demoliu quase todo um quarteirão sob a justificativa de que os imóveis poderiam desabar. Na área foi instalada uma tenda da Secretaria Municipal Desenvolvimento Econômico e do Trabalho e em até 25 dias será erguido um posto de atendimento da Secretaria de Assistência Social. Os equipamentos provisórios devem dar assistência social aos moradores do bairro.

Nas ações de fiscalização da prefeitura, também foram interditados cinco imóveis, 17 emparedados e 18 intimados a regularizar sua situação.




quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

"O futuro das cidades", por Jean-Pierre Garnier


Le Monde Diplomatique
A luta por espaço 

A chegada, aos bairros operários, de grupos sociais pertencentes às classes de maior poder aquisitivo é vista, com frequência, como uma invasão. Para a maior parte dos moradores afetados, essa mudança significa especulação financeira e imobiliária, o que acelera sua expulsão e substituição por cidadãos mais abastados 

                                                        por Jean-Pierre Garnier

A reestruturação urbana pela “destruição criadora” adquiriu dimensão planetária. De Bombaim a Pequim, passando por Londres, Nova York ou Paris, bairros populares bem localizados são revitalizados, enquanto seus antigos habitantes são deslocados para conjuntos habitacionais de baixa qualidade nas periferias para dar lugar a projetos residenciais “de categoria”. Iniciativas culturais prestigiosas capazes de mobilizar investidores, promotores, diretores e quadros sociais superiores, além de turistas endinheirados. Em suma, para o geógrafo David Harvey, “a favela entra em colisão com o canteiro de obras global, assimetria atroz que só pode ser interpretada como uma maneira gritante de confronto de classe1”.

Para além da aparição de novas formas de organização urbanística e arquitetônica, localizar esse fenômeno como conflito de classe não permite, contudo, afirmar que a luta secular entre dominantes e dominados pela conquista ou reconquista do espaço urbano se dá de maneira imutável ou estável. Seria negligenciar os efeitos ideológicos e políticos da recomposição de grupos sociais, em particular em países onde a “terceirização” ganhou mais importância que a industrialização. O crescimento das atividades do chamado setor de serviços vem sendo acompanhado, desde as últimas décadas do século XX, pela expansão de uma nova classe média ligada à polarização das funções-chaves financeiras, jurídicas e culturais em áreas urbanas elevadas à categoria de metrópole em escala mundial ou, ao menos, nacional. Dois aspectos gerais devem ser ressaltados: de um lado, o aumento do potencial dessa força de trabalho bem provida de capital escolar (estudos e diplomas de ensino superior) que, a fim de frutificar seus investimentos em educação, aliou-se à burguesia; de outro lado, o enfraquecimento do tecido industrial tradicional e a desagregação do movimento operário, que derrocaram os projetos de transformação radical da sociedade e os ideais de emancipação coletiva que os sustentavam.

Divisões de classes 

“Confronto”, de acordo com a formulação de Harvey, não é necessariamente afrontamento. Hoje, é sobretudo sob a forma de separatismo que se manifestam as divisões de classes no espaço urbano. Os enfrentamentos diretos entre proprietários e despossuídos tornaram-se raros. O combate para se apropriar da cidade não acabou por falta de combatentes, mas porque, face à uma burguesia sempre na ofensiva, o outro protagonista, o proletariado, não está em condições de se opor a ela. A primeira “conserva o conjunto de atributos de uma classe: situação e destino comuns, sentimento de aparência e estratégias múltiplas de reprodução social, incluindo as ações para enfraquecer o mundo do trabalho2”. Os trabalhadores, ao contrário, perderam a consciência de sua existência coletiva e de seu “papel histórico” de sujeitos revolucionários destinados a subverter a ordem estabelecida, tal como lhes atribuíam os teóricos do socialismo.

Sem dúvida, as manobras das classes dirigentes para privar o povo de seus territórios não pararam de suscitar resistência. Afrontamentos entre a polícia ou o exército e moradores de ciudades cayampas e favelas “disfarçados” de luta contra a delinquência e a subversão na América Latina; despejos realizados por militares nas periferias do Magreb e da África subsaariana; deslocamento forçado de antigos habitantes e demolição de suas casas na China “popular” para abrir terreno a infraestrutura e imóveis destinados a colocar as grandes cidades em dia com a mundialização do mercado; incêndios metódicos de grande calibre em ex-bairros “alternativos” de Berlim apropriados pela neo-burguesia após a reunificação...

Também poderíamos mencionar as revoltas da população negra nos guetos estadunidenses nos anos de 1960 ou as de jovens imigrantes afro-caribenhos nas periferias inglesas marginalizadas, alvos de promessas de “reforma” por parte do governo de Margaret Thatcher no início dos anos 1980. Já na França, na Itália e na Espanha, manifestações, ocupações, multiplicação de squats, autorredução de aluguéis, florescimento de associações de residentes e comitês de bairro fizeram crer, nos anos de 1970, que estava se formando um novo tipo de movimento social qualificado pela sociologia crítica de “luta urbana”, mais ou menos explicitamente enquadrado na reivindicação do “direito à cidade” por todos. Teóricos e militantes de extrema esquerda que viram nessa agitação a abertura de uma nova frente de luta anticapitalista, porém, desencantaram-se rapidamente. 

Resistência efêmera 

Com algumas exceções, a junção esperada entre trabalhadores e citadinos como uma extensão do domínio da luta de classes não aconteceu. Em ocasiões em que se deu, como no Chile, Argentina ou certas cidades italianas e espanholas – Turim, Bolonha, Barcelona –, os trabalhadores chegaram a unir-se contra promotores, proprietários e seus apoios políticos, mas a resistência, revestida de formas efêmeras e sem futuro, foi quase sempre abafada pela repressão. Esse tipo de rebeldia também foi neutralizado pelas negociações com os poderes vigentes, processo no qual a combatividade e a radicalidade dos habitantes revoltados foram “amansadas” pelo processo de tornar seus líderes notáveis.

As “lutas urbanas”, cuja eclosão deveria reforçar a participação de outras classes sociais junto ao proletariado e contra o capital, foram empreendidas e teorizadas por militantes “contestadores” oriundos da universidade (docentes, pesquisadores, arquitetos, assistentes sociais...). Contudo, a importância dada a esse “novo ambiente” vinha acompanhada de certa indiferença, quando não de pura ignorância em relação ao que acontecia no “mundo do trabalho”. Na França, sob a batuta de universitários da “segunda esquerda” (François Dubet, Didier Lapeyronnie...) – precursores do liberalismo social –, as lutas urbanas foram inclusive inscritas entre os “novos movimentos sociais” convocados a tomar o lugar de importância de um movimento operário esgotado. Estavam destinados a “transformar o contexto social” sem que fosse necessário acabar com o capitalismo, postulado então como inevitável. Para “mudar a cidade”, bastaria ajudar a sociedade a evoluir conferindo-lhe uma configuração mais “urbana”.

É precisamente nessa tarefa que se lançaram um grande número de ex-críticos ferrenhos da urbanização capitalista. Assim, sociólogos e geógrafos, arquitetos e urbanistas, técnicos e eleitos locais conjugaram seus esforços para adaptar o espaço urbano aos requisitos do capitalismo “pós-moderno”. Após esvaziar toda e qualquer conotação revolucionária, não hesitaram em retomar certas temáticas do “direito à cidade” teorizado pelo sociólogo marxista Henri Lefebvre3: prioridade do qualitativo sobre o quantitativo; recusa da padronização das construções para preservar ou recuperar a historicidade, a autenticidade e a personalidade de um bairro; valorização dos espaços públicos – lugares da sociabilidade espontânea por excelência.

Não se trata mais de fazer do espaço urbano tabula rasa como na época da “renovação-escavadeira”, quando pedaços – ou bairros inteiros – da cidade eram considerados “insalubres” e derrubados para “liberar terrenos” propícios ao florescimento de imóveis de “categoria” com fins residenciais ou comerciais. As ruas tortuosas e estreitas, herdadas ao longo dos séculos também foram submetidas ao mesmo processo, dando lugar a “anéis viários” e “radiais” para adaptar a cidade ao automóvel. Atualmente, a palavra de ordem não é “destruição” – salvo um ou outro edifício irrecuperável –, e sim “reabilitação”, “regeneração”, “revitalização” ou ainda “renascimento”.

Em voga entre aqueles que ocupam cargos ligados à manutenção e à reorganização das cidades, essa terminologia visa sobretudo dissimular uma lógica de classe: reservar os espaços “requalificados” às pessoas “de qualidade”. “Todos esses termos que começam por ‘re’ são a priori positivos para a cidade, mas excluem completamente a questão social”, nota um geógrafo belga.

“Quando um bairro torna-se descolado e entra na moda, isso implica que parte dos moradores será ‘descartada’. A região ‘melhora’, mas não para as mesmas pessoas4”. Dito de outra forma, se há “reforma urbana”, ela visa antes “renovar” a população local para que os moradores das zonas centrais dos grandes conglomerados urbanos possam exercer sua vocação: se impor como habitantes de “metrópoles” dinâmicas e atrativas.

Especulação imobiliária

Ainda que efetuada progressivamente, a chegada de grupos sociais pertencentes às classes assalariadas de maior poder aquisitivo e profissionais liberais em bairros operários é vista, com frequência, como invasão pelos habitantes originais. Para a maior parte dos moradores afetados, essa mudança significa especulação financeira e imobiliária, o que acelera sua expulsão e substituição no espaço por citadinos mais abastados e educados, desejosos de constituir uma identidade residencial que esteja de acordo com a identidade social.

A “gentrificação” não atinge somente o espaço construído: afeta também o espaço político e, em particular, a natureza dos partidos da esquerda oficial cuja adesão popular não para de cair. “Trata-se de um fenômeno europeu”, nota o geógrafo Christophe Guilly: “por todos os lados vemos também uma ‘gentrificação’ da social-democracia5”. Não é surpreendente, portanto, que as municipalidades de esquerda se coloquem, na maior parte do tempo, à frente dos desejos e aspirações de sua nova base social, notadamente em questões de urbanismo, habitação e consumo cultural.

No luxuoso folheto de divulgação das reformas programadas para a “Paris do século XXI”, a primeira secretária da prefeitura encarregada do urbanismo e arquitetura da cidade, Anne Hidalgo, resumia a vocação que se impõe aos locais escolhidos como alvo de reformas em grandes cidades: reforçar a identidade de “cidades globais”, “um estatuto que a capital francesa disputa com numerosas metrópoles mundiais6”. Os discursos líricos e consensuais sobre a necessidade de “romper o isolamento do núcleo da aglomeração” em relação à periferia e de levar um “novo olhar sobre o centro da região urbana” não deve gerar ilusões. Como o supertrem circular automatizado previsto pela hipotética “grande Paris”, o projeto de anel viário em torno de bairros tradicionais de Anvers não visa responder às necessidades urgentes de transporte dos habitantes locais, e sim colocar em relação direta polos econômicos, estradas, aeroportos e estações de trem. Em outras palavras, os pontos julgados vitais para a circulação do capital e que, articulados entre si, permitirão à metrópole francesa não ficar para trás na competição com suas rivais europeias.

Que tipo de renovação? 

Afinal, os planos urbanísticos faraônicos, atrativos a complexos residenciais que incluem shoppings, museus, cinemas, centro de negócios etc., como por exemplo “grande Hanói”, não deveriam ajudar a ex-capital da resistência anti-imperialista a tomar seu lugar junto a Cingapura, Hong Kong e até mesmo Xangai? (ver artigo de Xavier Monthéard, na pág.10) E o que dizer da construção programada, em São Francisco, de um prestigioso “centro de trânsito” onde diferentes tipos de transporte público estarão conectados para tornar mais fluido o deslocamento em torno da baía? Essa operação de “renovação urbana” que inclui arranha-céus e equipamentos de lazer, é vista como meios para “transformar o perfil físico da cidade”. E seu perfil social também: a parte do antigo centro, com diversos imóveis ocupados, será simplesmente apagada do mapa7.

O projeto que diz recuperar a parte central e a periferia de regiões urbanas para destiná-las à “comunidade” é apenas a aplicação espacial do princípio único que rege o conjunto da vida em sociedade por todo o planeta: a “concorrência livre e justa”.

Jean-Pierre Garnier é sociólogo, autor do livro Contra os territórios de poder.

1 David Harvey, “The right to the city”, New Left Review, n° 53, Londres, set.-out. 2008.
2 Paul Bouffartigues, Le retour des classes sociales. Inégalités, dominations, conflits, La Dispute, Paris, 2004.
3 Henri Lefebvre, O direito à cidade, Ed. Centauro, São Paulo, 2008.
4 Mathieu Van Criekingen, La Tribune de Bruxelles, 6 décembre 2007.
5 Christophe Guilly, “La nouvelle géographie sociale à l’assaut de la carte électorale”,], Centre d’études de la vie politique française, Paris, 2002.
6 Anne Hidalgo, “Paris doit faire face à une évolution profonde du monde”, Paris 21 e siècle, Atelier parisien d’urbanisme-Le Passage, Paris, 2008.
7 Brad Ston, “Ambitious Downtown Transit Project Is at Hand”, The New York Times, 3 de janeiro de 2010.

Artigo publicado em 05 de Março de 2010 no Le Monde Diplomatique Brasil 

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Seminário Copa: Paixão, Esporte e Negócio

Abaixo, trecho da fala de Ermínia Maricato no evento.




"Nenhuma instituição no Brasil fez comentários sobre esse escândalo que tá acontecendo com a renda fundiária e imobiliária. Com essa falta total de regulação desse mercado. Eu fiz a palestra aqui na Federação Nacional dos Arquitetos mostrando a Suiça e a Holanda - e a Suiça vocês sabem que é um capitalismo que vive com a rapinagem financeira do mundo - pra mostrar que é capitalismo, mas tem um controle absoluto do uso e da ocupação do solo. Absoluto por parte do Estado. Então, não precisa ser o socialismo revolucionário pra melhorar as condições, é que o nosso país tem um capitalismo que é selvagem! É selvagem o que nós estamos vendo ser feito nas nossas cidades!

Depois de 40 anos, vocês sabem, eu parei de fazer palestra. Eu não tinha o direito de desanimar as pessoas com o quadro que eu to vendo. Mas hoje eu vim aqui, eu to de volta. [Palmas] Porque nos acabamos um ciclo. Mas o que morre dá lugar ao nascimento. E nós vamos retomar a proposta de reforma urbana em novas bases. E eu queria dizer pra vocês que eu fiz uma promessa a mim mesma e vou cumprir. Eu fiz proposição a vida inteira, eu não vou deixar de fazer proposta. Mas eu sou sociedade civil agora, porque é disso que nós precisamos nesse país! Muito obrigada."