sexta-feira, 11 de maio de 2012

Beira-trilhos e a criação do Movimento Popular Urbano (MPU)


A organização dos beira-trilhos e a criação do Movimento Popular Urbano (MPU) -  Erechim-RS *

Foto: Juliana Borba da Rosa
Família beira-trilho desenhando seu futuro lote no
Bairro Aeroporto
No contexto das privatizações do projeto neoliberal implantado no Brasil principalmente a partir da década de 1990, na região do Alto Uruguai, a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) foi concedida em 1997 à empresa América Latina Logística (ALL). Desde a sua privatização a ferrovia nunca mais foi utilizada. Em função do abandono das ferrovias e de uma necessidade de moradia, muitas famílias pobres oriundas de Erechim e do seu entorno ocuparam a beira dos trilhos construindo casas como uma possibilidade concreta de sobrevivência.

Na verdade essas famílias que ocuparam os trilhos, as famílias beira-trilhos, que a gente chama, são pessoas excluídas e, por não ter condições, [...] a grande maioria são recicladores, cortadores de pedra [...] excluídos do campo, do êxodo rural. As barragens contribuiu muito para que acontecesse isso e uma boa parte desses pequenos [...] desse exército de pequenos agricultores, era meieiro [...] seriam aqueles que trabalhavam pra outros, pra grandes e que depois a máquina veio, substituiu a força de trabalho. Aí essas famílias, a maioria delas, vieram pra cidade aventurar [por falta de opção no campo].
Aqueles que têm apenas um pedacinho, menos de meia colônia de terra [menos de 12,5 ha], ele é cercado pelos grandes, ele acaba sendo isprimido [...] é mesmo que apertá um sabonete, molhado, que chega na ponta que ele escapa da mão e esses pequenos agricultores eles foram, na verdade, expulsos da terra [...] da terra dele não sobrou nem mesmo para comprá uma madeira ou pra comprá um terreninho digno pra fazer em cima sua moradia [na cidade]. (Entrevistado 02, em entrevista realizada dia 29 de novembro de 2010).


Os primeiros moradores que ocuparam a beira dos trilhos tiveram o apoio inclusive da própria Prefeitura Municipal. Muitos conseguiram lona, telhas, etc., conforme lembra um dos primeiros a ocupar a beira dos trilhos: “foi a própria Secretaria de Cidadania que me cedeu o material para a construção, por volta do ano de 1995. A prefeitura permitia até que a empresa [nos] tirasse”. (Entrevistado 01, em 26 de outubro de 2010).

Com o tempo novos moradores se agregavam a beira dos trilhos. Os que vinham de alguma forma já mantinham uma relação com os atuais moradores, através de amizade, parentesco, compadrio, etc.

O processo de ocupação ocorreu de modo muito tranqüilo, as famílias vinham de dia e começavam a construção sem maiores problemas. “Eles chegavam aqui e diziam assim: ‘um dia vocês vão ter que sair, vocês podem ficar morando’, né, [...] ia permitindo a gente ficar por aí, foi ficando, foi ficando, e ninguém falou mais nada [...]. (Entrevistado 01, em 26 de outubro de 2010).

No início, por volta do ano de 1995, havia um poço onde as pessoas tiravam água e não tinham luz elétrica. Permaneceram assim por mais de três meses, quando a própria Prefeitura Municipal de Erechim contribuiu oferecendo água encanada e luz elétrica aos moradores.

Nesse período, a presença da Prefeitura Municipal era bastante ambígua, pois, ao mesmo tempo em que ajudava os moradores, não podia assumir esse apoio, por se tratar de ação ilegal. E nesse jogo, em épocas eleitorais, sempre havia alguém para cobrar a conta dos moradores.

[Algumas famílias] até conseguiram [apoio da Prefeitura Municipal], via Secretaria da  Cidadania, Habitação, conseguiram madeira para colocar suas casinhas em cima dos  trilhos. [A Prefeitura Municipal] apoiou algumas invasões, depois tirou o peso das costas,  depois se escondeu por trás do problema [...]. É assim ó, você coloca aí, nós fechamos o  olho, não fomos nós que fizemos isso, mas você fica comprometido comigo, né? [...] Nós  vamos dar um jeitinho, botar luz, dar um jeitinho, botar água, mas nós não temos nada a  ver com isso. [...] Nas eleições, essas famílias mais humildes sempre foram cabos eleitorais.  Porque eles usam da inocência dessas pessoas, [...] com troca de favores, eu te dei a casa,  eu te dei a caixinha de luz, eu te dei um ranchinho, você foi lá pedir um leite pro teu filho,  eu te dei: agora eu sou candidato! Isso sempre aconteceu, muitos anos vêm acontecendo isso, né, é a tal da política “conta-gota”: primeiro botamo a caixinha, depois puxamo uns fio, e daqui 20 anos nós ligamos num poste. Tá sempre preso e comprometido com eles. 
(Entrevistado 02, em entrevista realizada dia 29 de novembro de 2010). 


No ano de 2006 a discussão de uma possível reativação do transporte férreo fez com que as famílias que moravam na beira dos trilhos passassem a conviver com o risco de serem despejadas de suas casas. O estopim para o início da organização dos beira-trilhos foi o ato de despejo decretado naquele ano pela justiça, definindo pela retirada imediata dos moradores que já estavam na beira da ferrovia em Erechim. Partindo da necessidade de uma organização coletiva em defesa dos interesses das famílias de beira-trilhos, tem início a construção de um movimento urbano pela luta de uma moradia digna para estas famílias. Inicia-se, assim, o Movimento Popular Urbano (MPU).


Nunca houve nenhuma mobilização mais forte contra os beira-trilhos. Foi somente no ano de 2007, mais ou menos 12 anos após a chegada dos primeiros beira-trilhos, que souberam por meio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) que sua permanência nos trilhos estava sendo ameaçada.

Daí, a nossa organização começou [...], em 2007 foi fundado o movimento, né, em maio de  2007, [...] o MPU [Movimento Popular Urbano]. [Antes do MPU não houve nenhum tipo de  organização?]: não, não, o MAB [Movimento dos Atingidos por Barragens] que contribuiu,  né. (Entrevistado 02, em entrevista realizada dia 29 de novembro de 2010).

Entre outros objetivos, o MPU tem como ação principal auxiliar na organização social dos moradores beira-trilhos. Tem como uma das suas bandeiras de luta a reativação da ferrovia, traduzida no slogan: “Sim a reativação do trem, sim ao direito das famílias”!

Na época, dentre as principais reivindicações do MPU junto à empresa e a Prefeitura Municipal estavam: terreno e moradia (54 m2 para famílias com até duas pessoas e 63 m2 para famílias maiores); energia elétrica; saneamento básico; água; programas e infra-estrutura de saúde pública; educação; transporte escolar; programas e áreas de lazer e cultura; programas de geração de renda; entre outros.

Em 2007 dados da Prefeitura Municipal de Erechim já apontavam para um número expressivo de famílias beira-trilhos no município, registrando 284 casas localizadas nas áreas de domínio da empresa ALL, considerando o direito de uso numa faixa de 15 metros de cada lado dos trilhos pela empresa. As áreas dos beira-trilhos situavam-se principalmente nos bairros Parque Lívia, Vila União, 21 de abril, Polígono, São Vicente de Paula, e Vila Isabel.

Em novembro de 2007 ocorreram algumas reuniões e uma importante audiência pública para debater os rumos da realocação destas 284 famílias de beira-trilhos. De acordo com o Procurador da República em Erechim, Pedro Antônio Roso, a audiência pública buscou resolver o impasse da realocação dos moradores.

No ano de 2008, somando na organização das famílias, cria-se a Associação Nacional em Defesa da Moradia Popular (ANAMORA), representando dezenas de famílias de baixa renda que residem nas proximidades da via férrea (...).

As famílias que ainda residem na beira dos trilhos são trabalhadores de baixa renda, na sua maioria desempregados, muitos sobrevivendo da coleta e reciclagem de lixo. O MPU segue acompanhando essas famílias até os dias de hoje, nas suas lutas e 11 conquistas pela moradia e demais direitos. 

(*)Texto extraído do Relatório Final do Projeto de Extensão (Edital No 14/UFFS/2010 - Iniciação Acadêmica) AgriculturaUrbana Agroecológica: capacitação de reassentados beira-trilhos para a produção de autoconsumo no município de Erechim (RS).
Bolsista: Leidiane Aparecida da Cruz.
Voluntários: João Daniel Wermann Foschiera e Sandra Regina Müller Ferreira.
Professor Orientador: Ulisses Pereira de Mello.
Cursos envolvidos: Agronomia - ênfase em Agroecologia e Ciências Sociais -
Universidade Federal da Fronteira Sul.

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