A
organização dos beira-trilhos e a criação do Movimento Popular
Urbano (MPU) - Erechim-RS *
Foto: Juliana Borba da Rosa Família beira-trilho desenhando seu futuro lote no Bairro Aeroporto |
No
contexto das privatizações do projeto neoliberal implantado no
Brasil principalmente
a partir da década de 1990, na região do Alto Uruguai, a Rede Ferroviária
Federal S.A. (RFFSA) foi concedida em 1997 à empresa América Latina Logística
(ALL). Desde a sua privatização a ferrovia nunca mais foi
utilizada. Em
função do abandono das ferrovias e de uma necessidade de moradia, muitas
famílias pobres oriundas de Erechim e do seu entorno ocuparam a
beira dos trilhos
construindo casas como uma possibilidade concreta de sobrevivência.
Aqueles que têm apenas um pedacinho, menos de meia colônia de terra [menos de 12,5 ha], ele é cercado pelos grandes, ele acaba sendo isprimido [...] é mesmo que apertá um sabonete, molhado, que chega na ponta que ele escapa da mão e esses pequenos agricultores eles foram, na verdade, expulsos da terra [...] da terra dele não sobrou nem mesmo para comprá uma madeira ou pra comprá um terreninho digno pra fazer em cima sua moradia [na cidade]. (Entrevistado 02, em entrevista realizada dia 29 de novembro de 2010).
Os
primeiros moradores que ocuparam a beira dos trilhos tiveram o apoio inclusive
da própria Prefeitura Municipal. Muitos conseguiram lona, telhas,
etc., conforme
lembra um dos primeiros a ocupar a beira dos trilhos: “foi a
própria Secretaria
de Cidadania que me cedeu o material para a construção, por volta
do ano de
1995. A prefeitura permitia até que a empresa [nos] tirasse”.
(Entrevistado 01, em 26
de outubro de 2010).
Com
o tempo novos moradores se agregavam a beira dos trilhos. Os que vinham
de alguma forma já mantinham uma relação com os atuais moradores,
através de
amizade, parentesco, compadrio, etc.
O
processo de ocupação ocorreu de modo muito tranqüilo, as famílias
vinham de
dia e começavam a construção sem maiores problemas. “Eles
chegavam aqui e diziam
assim: ‘um dia vocês vão ter que sair, vocês podem ficar
morando’, né, [...] ia permitindo
a gente ficar por aí, foi ficando, foi ficando, e ninguém falou
mais nada [...]. (Entrevistado
01, em 26 de outubro de 2010).
No
início, por volta do ano de 1995, havia um poço onde as pessoas
tiravam água
e não tinham luz elétrica. Permaneceram assim por mais de três
meses, quando a própria
Prefeitura Municipal de Erechim contribuiu oferecendo água encanada
e luz elétrica
aos moradores.
Nesse
período, a presença da Prefeitura Municipal era bastante ambígua,
pois, ao
mesmo tempo em que ajudava os moradores, não podia assumir esse
apoio, por se tratar
de ação ilegal. E nesse jogo, em épocas eleitorais, sempre havia
alguém para cobrar
a conta dos moradores.
[Algumas famílias] até conseguiram [apoio da Prefeitura Municipal], via Secretaria da Cidadania, Habitação, conseguiram madeira para colocar suas casinhas em cima dos trilhos. [A Prefeitura Municipal] apoiou algumas invasões, depois tirou o peso das costas, depois se escondeu por trás do problema [...]. É assim ó, você coloca aí, nós fechamos o olho, não fomos nós que fizemos isso, mas você fica comprometido comigo, né? [...] Nós vamos dar um jeitinho, botar luz, dar um jeitinho, botar água, mas nós não temos nada a ver com isso. [...] Nas eleições, essas famílias mais humildes sempre foram cabos eleitorais. Porque eles usam da inocência dessas pessoas, [...] com troca de favores, eu te dei a casa, eu te dei a caixinha de luz, eu te dei um ranchinho, você foi lá pedir um leite pro teu filho, eu te dei: agora eu sou candidato! Isso sempre aconteceu, muitos anos vêm acontecendo isso, né, é a tal da política “conta-gota”: primeiro botamo a caixinha, depois puxamo uns fio, e daqui 20 anos nós ligamos num poste. Tá sempre preso e comprometido com eles.
(Entrevistado 02, em entrevista realizada dia 29 de novembro de 2010). No ano de 2006 a discussão de uma possível reativação do transporte férreo fez com que as famílias que moravam na beira dos trilhos passassem a conviver com o risco de serem despejadas de suas casas. O estopim para o início da organização dos beira-trilhos foi o ato de despejo decretado naquele ano pela justiça, definindo pela retirada imediata dos moradores que já estavam na beira da ferrovia em Erechim. Partindo da necessidade de uma organização coletiva em defesa dos interesses das famílias de beira-trilhos, tem início a construção de um movimento urbano pela luta de uma moradia digna para estas famílias. Inicia-se, assim, o Movimento Popular Urbano (MPU).
Nunca
houve nenhuma mobilização mais forte contra os beira-trilhos. Foi somente
no ano de 2007, mais ou menos 12 anos após a chegada dos primeiros
beira-trilhos,
que souberam por meio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
que sua
permanência nos trilhos estava sendo ameaçada.
Entre
outros objetivos, o MPU tem como ação principal auxiliar na
organização social
dos moradores beira-trilhos. Tem como uma das suas bandeiras de luta
a reativação
da ferrovia, traduzida no slogan: “Sim a reativação do trem, sim
ao direito das
famílias”!
Na
época, dentre as principais reivindicações do MPU junto à empresa
e a Prefeitura
Municipal estavam: terreno e moradia (54 m2
para famílias com até duas pessoas
e 63 m2
para famílias maiores); energia elétrica; saneamento básico; água; programas
e infra-estrutura de saúde pública; educação; transporte escolar;
programas e
áreas de lazer e cultura; programas de geração de renda; entre
outros.
Em
2007 dados da Prefeitura Municipal de Erechim já apontavam para um número
expressivo de famílias beira-trilhos no município, registrando 284
casas localizadas
nas áreas de domínio da empresa ALL, considerando o direito de uso
numa faixa
de 15 metros de cada lado dos trilhos pela empresa. As áreas dos
beira-trilhos situavam-se
principalmente nos bairros Parque Lívia, Vila União, 21 de abril,
Polígono, São
Vicente de Paula, e Vila Isabel.
Em
novembro de 2007 ocorreram algumas reuniões e uma importante audiência
pública para debater os rumos da realocação destas 284 famílias
de beira-trilhos.
De acordo com o Procurador da República em Erechim, Pedro Antônio
Roso, a audiência
pública buscou resolver o impasse da realocação dos moradores.
No
ano de 2008, somando na organização das famílias, cria-se a
Associação Nacional
em Defesa da Moradia Popular (ANAMORA), representando dezenas de famílias
de baixa renda que residem nas proximidades da via férrea (...).
As
famílias que ainda residem na beira dos trilhos são trabalhadores
de baixa renda,
na sua maioria desempregados, muitos sobrevivendo da coleta e
reciclagem de lixo.
O MPU segue acompanhando essas famílias até os dias de hoje, nas
suas lutas e 11
conquistas pela moradia e demais
direitos.
(*)Texto extraído do Relatório Final do Projeto de Extensão (Edital No 14/UFFS/2010 - Iniciação Acadêmica) AgriculturaUrbana Agroecológica: capacitação de reassentados beira-trilhos para a produção de autoconsumo no município de Erechim (RS).
Bolsista: Leidiane Aparecida da Cruz.
Voluntários: João Daniel Wermann Foschiera e Sandra Regina Müller Ferreira.
Professor Orientador: Ulisses Pereira de Mello.
Cursos envolvidos: Agronomia - ênfase em Agroecologia e Ciências Sociais -
Universidade Federal da Fronteira Sul.
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