Fonte: Sul21
Moradores de diversas ocupações urbanas de Porto Alegre realizaram mobilizações na manhã desta segunda-feira (16). Durante a tarde, foi derrubado pela Câmara de Vereadores o veto do prefeito José Fortunati (PDT) ao projeto de lei que transforma 14 ocupações em áreas especiais de interesse social (AEIS). O PL, de autoria da bancada do PSOL, foi aprovado por unanimidade em dezembro do ano passado. Em fevereiro deste ano, no entanto, a Prefeitura anunciou que vetaria a proposta. Agora, a matéria voltou para a Câmara, que poderia optar por manter ou derrubar o veto.
Para protestar pela decisão de Fortunati, centenas de pessoas iniciaram uma manifestação por volta das 11h no Paço Municipal, onde cantavam “Somos o povo e esse veto nós vamos derrubar”. Homens, mulheres e crianças de todas as idades seguravam cartazes com dizeres como “Vereadores: derrubar o veto ou declarar guerra às ocupações” e criticavam o prefeito.
A necessidade de derrubada do veto é agravada pelo fato de uma das ocupações referidas, a Dois Irmãos, estar com reintegração de posse inicialmente marcada para a terça-feira (16). “É uma vergonha vetar esse projeto sabendo que no dia seguinte mulheres e crianças vão ser despejadas pela Brigada Militar”, argumentou Cláudia Favaro, arquiteta, urbanista e militante da luta pela moradia. Com a derrubada do veto ao projeto de AEIS, no entanto, a reintegração não deve ocorrer.
Criticando também a atuação da BM, os manifestantes rumaram ao Palácio Piratini, sede do poder estadual. Cantando “Pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro”, cerca de 300 pessoas caminharam pela Borges de Medeiros e pegaram a Jerônimo Coelho, chegando à Praça da Matriz.
A marcha era guiada por uma faixa dizendo “Eles foram contra 25 mil pessoas (com fotos de Fortunati e do vice-prefeito sebastião Melo). E o senhor, vereador?”. O bloqueio do trânsito foi facilitado pela Brigada Militar e pela EPTC.
Em frente ao Piratini, os manifestantes entoavam “A nossa luta é todo dia, moradia não é mercadoria” e “o povo unido jamais será vencido”. De lá, seguiram pela rua Espírito Santo e pela Avenida Loureiro da Silva, até chegarem à Câmara Municipal.
Tribuna Popular
Na Câmara, os manifestantes lotaram as galerias do Plenário, cantando “1, 2, 3, 4, 5, mil, queremos moradia para o povo do Brasil “. Em seguida, dois representantes do Fórum das Ocupações fizeram uso da Tribuna Popular para expor as reivindicações. Luciano Ilha pediu que seja feita “justiça para habitação em Porto Alegre”, destacando que não há política “que sirva” para os moradores de ocupações. “O pessoal da Dois Irmãos não pode vir porque está com a polícia já lá nas portas. Não podemos perder mais essa ocupação, a moradia é nosso direito”, lamentou.
Em seguida, o coordenador do Fórum das Ocupações Juliano Fripp criticou o regimento interno da Câmara que exige que quem fale no Plenário use terno e gravata. “Eu queria estar vestindo essa camiseta aqui”, disse, mostrando a estampa do Fórum. Ele criticou Fortunati, não apenas por ter vetado o projeto, mas também por ter “chamado esse povo todo aqui de grileiro”. Ele pediu o apoio dos vereadores, que aprovaram por unanimidade o projeto, para a derrubada do veto. “Nós vamos ficar aqui na Câmara até que esse veto seja votado. E se ele for derrubado, vamos ficar até que mudem de ideia”, garantiu.
A vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), uma das autoras do projeto, colocou que Fortunati “não tem sensibilidade nem visão social para perceber que o movimento fez um planejamento que deveria ser feito pela prefeitura”.
Votação
Após mais de 4 horas de sessão, em que foram votados outros projetos, foi iniciada a discussão do PL 2265/14. Com forte pressão da população que lotou as galerias durante toda a tarde, a vereadora Fernanda Melchionna encaminhou a matéria, lembrando que a demanda surgiu em uma tribuna popular organizada pelo Fórum. “O projeto de AEIS não muda o direito à propriedade, apenas diz que ali vai ser designado para habitação popular. Outro mito sobre esse projeto é que teve problemas técnicos, isso é uma grande mentira. Aprovamos aqui em 2009 projeto que determinava AEIS. É um projeto inicial, questões técnicas são na área da regularização”, explicou.
A oposição começou a temer que os vereadores da base do governo retirassem o quórum da sessão, visto que as cadeiras começaram a ficar vazias dentro do Plenário. “Vejo algumas cadeiras vazias, e essa discussão ajuda a enxergar quem está de qual lado”, afirmou Alberto Kopittke (PT). Já Carlos Comassetto (PT) lembrou que a declaração de AEIS segue o Estatuto da Cidade, que define que vazios urbanos devem ter como prioridade ser destinados à habitação.
O vereador Alex Fraga (PSOL) lembrou que o prefeito e muitos vereadores tiveram campanhas patrocinadas por construtoras quando se elegeram. “É óbvio que ele (Fortunati) veta, está a favor da especulação imobiliária. Tem vereador que vai votar contra os interesses dos doadores, e isso é louvável”, afirmou.
Já o vereador Airto Ferronato (PSB) prometeu que o governo iria encaminhar em 30 dias um projeto que transforme em área de interesse social “todas as que forem possíveis”. A população, que ainda lotava as galerias, se indignou, dizendo que queria o projeto agora, e não em 30 dias. “Nós queremos isso aprovado hoje. Nós vimos o movimento do governo, as ações dos integrantes do governo indo em cada um dos vereadores da base cobrando voto”, denunciou Fernanda.
A votação foi acirrada: perto do fechamento do painel, ainda havia apenas 16 votos favoráveis à derrubada do veto. Delegado Cleiton (PDT) e Paulinho Motorista (PSB) deram dois votos decisivos, contabilizando 18. Antes de encerrar a votação, o presidente da Casa, Mauro Pinheiro (PT), votou, fechando os 19 necessários para aprovar o projeto e derrubar o veto de Fortunati.
O encerramento do painel foi seguido por uma festa na Câmara de Vereadores por parte dos moradores das ocupações e dos parlamentares que apoiaram o projeto. Enquanto isso, parte da base do governo se reuniu silenciosamente no canto do Plenário. A sessão foi encerrada a seguir, por volta das 19h20.
“É uma grande vitória para o movimento, que fez essa grande mobilização durante o dia todo e durante meses. É um passo importante, pois empodera ocupações e garante entrada de serviços”, afirmou Fernanda. Ela ainda cobrou que, agora, a Prefeitura forme um grupo de trabalho para regularizar as áreas. “Com certeza a presença massiva do povo garantiu a vitória, junto com a articulação dos vereadores”, afirmou.
Votaram “sim”: Dinho do Grêmio (DEM); Jussara Cony (PCdoB); Rodrigo Maroni (PCdoB); Delegado Cleiton (PDT); Dr. Thiago (PDT); Lourdes Sprenger (PMDB); Séfora Mota (PRB), Waldir Canal (PRB); Bernardino Vendrusculo (PROS); Paulinho Motorista (PSB); Tarciso Flecha Negra (PSD); Fernanda Melchionna (PSOL); Alex Fraga (PSOL); Alberto Kopittke (PT), Engº Comassetto (PT); Marcelo Sgarbossa (PT); Mauro Pinheiro (PT); Cláudio Janta (SDD).
Votaram “não”: João Bosco Vaz (PDT); Idenir Cecchim (PMDB); Pablo Mendes Ribeiro (PMDB); Professor Garcia (PMDB); João Carlos Nedel (PP); Kevin Krieger (PP); Mônica Leal (PP); Airto Ferronato (PSB); Mario Manfro (PSDB); Carlos Casartelli (PTB); Cassio Trogildo (PTB); Elizandro Sabino (PTB); Paulo Brum (PTB). Não votaram Reginaldo Pujol (DEM); Márcio Bins Ely (PDT); Nereu D’Ávila (PDT) e Guilherme Villela (PP).
As AEIS previstas no projeto são referentes às áreas das comunidades Bela Vista, Capadócia, Continental, Cruzeirinho, Dois Irmãos, Império, Marcos Klassmann, Moradas dos Ventos, Nossa Senhora, Oscar Pereira, Progresso, São Luiz, Sete de Setembro e 20 de Novembro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário