Por Paulo Muzell
Uma marca registrada destes onze anos dos governos Fogaça-Fortunati
(2005-2015) é, sem qualquer dúvida, a facilidade com que realizaram um
grande número de alterações no Plano Diretor da cidade, quase todas para
viabilizar grandes empreendimentos. Ou também, como foi o caso da área
do Clube de Diretores Lojistas (CDL/RS), que teve seu regime urbanístico
alterado para viabilizar a construção de uma Escola de Administração e
Comércio. Tudo de “mão beijada”, sem que a entidade patronal realizasse
compra de índices construtivos ou assumisse o encargo de qualquer
contrapartida.
Tivemos também, – escudadas na popularidade e prestígio de Grêmio e
Inter -, profundas alterações de alturas, índices construtivos e taxas
de ocupação das áreas dos Eucaliptos, do Beira Rio, do Olímpico e da
Arena. Tudo feito sem cuidado de preservar o interesse e o patrimônio
público. No caso das áreas próximas à Arena, no Humaitá, o absurdo foi
tão grande que o Ministério Público Estadual teve que impedir que a
Prefeitura assumisse, como Fortunati pretendia, encargos que eram
responsabilidade da empreiteira, a OAS.
Em 2009 tivemos o episódio do Pontal do Estaleiro. Projeto elaborado
pelo Escritório de Arquitetura de Jorge Debiaggi pretendia instalar na
área do antigo Estaleiro um grande empreendimento imobiliário misto, com
lojas comerciais, torres e um núcleo residencial. Tudo em área de
marinha, junto às margens do Guaíba. Realizada a consulta popular, 81%
dos 21 mil votantes se manifestaram contrários ao uso residencial. O
projeto, com este “banho de água fria”, estacionou.
Em 2012 foi “ressuscitado” mas novamente não avançou. E, por fim,
neste início de 2015, com Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) e
Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) aprovados pela Prefeitura, volta
pela terceira vez tentando aprovação. Foram realizadas duas audiências
públicas com expressivo comparecimento de público, que se manifestou
majoritariamente contrário ao projeto. Técnicos de entidades
ambientalistas contestaram os pareceres da Prefeitura, apontando lacunas
e inconsistências, especialmente no EIA-RIMA. Não há qualquer dúvida
que a instalação de um complexo comercial e de serviços na Orla
representa privatização e uso indevido de uma área de lazer da
população.
Outro projeto polêmico e que se arrasta há mais de vinte anos é o do
Cais Mauá. A Prefeitura, numa atitude de total irresponsabilidade,
elaborou e aprovou na Câmara Municipal profundas alterações no regime
urbanístico da área mais central da cidade. Altura de até 100 metros,
mudanças no zoneamento de uso, nos índices construtivos, nas taxas de
ocupação, tudo para viabilizar projetos que só interessam aos
empreendedores imobiliários: torres, shoppings, escritórios, lojas e
ainda um estacionamento subterrâneo para milhares de carros. O pior é
que esses empreendimentos agravam o sério problema de acesso e
circulação no “funil” que é o perímetro central. Que intervenções
viárias serão necessárias? Foram elaborados anteprojetos? Quem vai arcar
com os ônus destes pesados investimentos? Tudo ficou em aberto. A coisa
foi tão mal concebida, que para a sorte da população, os grupos
empresariais, soube-se mais tarde, não tinham, nem de longe, condições
para viabilizar os investimentos previstos, estimados, anos atrás, em
mais de 500 milhões de reais. As condições e os prazos estabelecidos no
protocolo de intenções assinado em 2012 não foram cumpridos e o
Ministério Público questiona a contratação do projeto, efetivada sem
licitação. Felizmente, a privatização de uma área portuária, com
edificações tombadas pelo patrimônio histórico tem sido sistematicamente
adiada, empacou, não avança.
Neste início de abril o prefeito Fortunati enviou à Câmara o projeto
de lei complementar 05/2015 que altera os limites e o regime urbanístico
da Macrozona 08, visando viabilizar um mega loteamento – estão
previstas 2.150 novas economias – numa gleba de 426 hectares, de
propriedade da empresa Arado Empreendimentos Ltda., localizada na
avenida do Lami 2.227, à sudeste de Belém Novo. Considerando-se o porte
do empreendimento e a crescente urbanização da zona sul da cidade – que
já mostra sinais de saturação e problemas de acessibilidade – torna-se
necessária uma cuidadosa avaliação dos seus impactos. Audiências
públicas com a participação da comunidade e de entidades e
especializadas em questões ambientais e urbanísticas deverão ser
realizadas. Toda cautela é pouca no exame de um grande projeto
urbanístico. O prefeito atual, infelizmente, não tem tido a necessária
cautela e o cuidado de melhor avaliar, antes de propor as importantes
alterações realizadas no plano diretor da cidade. O histórico das
gestões Fogaça-Fortunati, de atropelar e aprovar de afogadilho em regime
de urgência é péssimo. A população da zona sul deve manter o “olho
vivo”. Não há nenhuma dúvida, este é um governo, extremamente
“simpático, bonzinho, sensível” aos apelos e interesses da construção
civil.
Paulo Muzell é economista.
Fonte: Sul21
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